Fim de jogo: a repercussão dos resultados da COP 27 no Brasil
Alguns avanços e muita estagnação marcaram a decisão final da Conferência Climática, dizem organizações brasileiras. Evento terminou na madrugada de domingo
Por Cristiane Prizibisczki - ECO
A Conferência do Clima da ONU terminou na madrugada do último domingo (20), no Egito, deixando um gosto agridoce na boca dos participantes. Por um lado, um grande avanço foi conquistado, com a criação de um fundo de reparação – conhecido como Perdas e Danos – para países vulneráveis que não conseguem se adaptar às mudanças no clima. Por outro, temas essenciais no combate ao aquecimento global foram, mais uma vez, deixados de lado no texto final da COP27, como a eliminação dos combustíveis fósseis.
O Eco compilou as análises dos resultados feitas pelas principais organizações que trabalham com a agenda climática no Brasil. Confira abaixo, separado por tópico:
Fundo para Perdas e Danos
A criação de um fundo de reparação é requerida por países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, principalmente os insulares, há cerca de 30 anos. O objetivo seria que os maiores responsáveis pela crise climática custeassem os prejuízos causados por eventos extremos aos quais já não cabe adaptação, como ciclones e enchentes.
Antes da COP 27, o tema nunca havia entrado na agenda por pressão dos países ricos, que temiam que a decisão abrisse um precedente para o litígio internacional. Ou seja, pagar por perdas e danos equivaleria a reconhecer que as nações prósperas devem compensação pelo estrago causado na atmosfera com suas emissões históricas.
O tema de Perdas e Danos só entrou na agenda da COP 27 no último minuto, no segundo dia da conferência (7/11), com a Cúpula do Clima já iniciada. Durante as duas semanas que se seguiram, os desenvolvidos, em especial os EUA, tentaram a todo custo bloquear essa negociação. No final, para tentar ter ao menos algo de concreto para apresentar ao mundo, os países concordaram com o “compromisso” de discutir a operacionalização do Fundo para o próximo ano, na COP 28, que acontece nos Emirados Árabes.
“Fornecer apoio para lidar com perdas profundas reflete uma mudança de mentalidade na diplomacia climática e oferece esperança. Ainda assim, não há clareza sobre os termos dos acordos de financiamento. A reavaliação de quais países pagam e quais recebem também será uma questão importante no próximo ano. Uma discussão mais ampla baseada na própria definição de desenvolvimento e na reforma dos sistemas financeiros deve ocorrer ao mais alto nível”, analisou o Instituto Climainfo.
“Melhoramos a distribuição do remédio, mas não avançamos no tratamento da doença”, disse Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Sem um aumento significativo na ambição das metas nacionais e sem atingir o nível de financiamento adequado para adaptação e mitigação, o fundo de perdas e danos será um eterno trabalho de Sísifo, vencido constantemente por uma realidade climática cada vez mais violenta. Não vai haver recurso de perdas e danos que baste. ”
Combustíveis fósseis
Os combustíveis fósseis são responsáveis, no nível global, por 86% das emissões lançadas na atmosfera na última década. Nem por isso a causa primária das mudanças do clima foi endereçada de maneira eficiente nos acordos firmados em 27 anos de Conferência do Clima.
Em Glasgow, o assunto foi, pela primeira vez, citado no texto final do encontro, mas ainda de forma muito insuficiente. O acordo costurado no ano passado fazia menção apenas a uma “redução gradativa” – e não a eliminação de vez – do carvão. Petróleo e gás nem entraram na jogada. A expectativa, portanto, era que a Conferência do Clima do Egito trouxesse um texto mais audacioso nesse sentido.
Por pressões de último minuto de potências petrolíferas, como Arábia Saudita e Rússia – cuja guerra travada com a Ucrânia aumentou a insegurança energética no mundo, assim como o uso de combustíveis fósseis – a menção de Glasgow a uma “redução gradativa” ficou ainda pior. Não entraram os demais combustíveis fósseis e o texto da decisão inclui apenas a expressão “eliminar subsídios ineficientes”. “Quanto mais emissões, mais dinheiro será necessário para ações de adaptação e perdas e danos. Precisamos tratar os sintomas e não somente as causas, e por isso a transição energética é essencial para frearmos a crise do clima. Os países precisam levar isso em consideração urgentemente, se quisermos alcançar a justiça climática”, diz Luiza Lima, do Greenpeace Brasil.
“Se por um lado foi alcançado um resultado histórico com a criação de fundo para perdas e danos, por outro andamos de lado mais uma vez em relação à ambição climática. Um ano já se passou desde Glasgow e o que vimos foram países querendo retroceder. Temos agora apenas sete anos para cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC.”, avalia Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
Programa de Trabalho em Mitigação
Outra iniciativa iniciada em Glasgow que esperava avançar na COP do Egito era o Programa de Trabalho em Mitigação (MWO, na sigla em inglês, como é usada). Ele foi criado com o objetivo de acelerar o corte de emissões dos países para manter a meta de aquecimento em 1,5ºC. Importante salientar que o MWO trata das metas nacionais de cortes, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), e não do fim dos combustíveis fósseis como uma decisão acordada por todos os países, como explicado acima.
Neste ano, havia a expectativa, principalmente dos países da União Europeia e Reino Unido, que o programa fosse mudado de forma a determinar ajustes anuais ou bianuais nas metas nacionais, até que a meta mundial (43% até 2030) fosse atingida. Atualmente, os ajustes são feitos a cada cinco anos.
Os países em desenvolvimento, no entanto, não concordaram com a proposta, que não avançou no texto final da COP 27. Segundo o G77, bloco de negociação que reúne economias pobres e emergentes, mexer no modo como as NDCs são determinadas é renegociar o Acordo de Paris. O novo texto, acordado em Sharm El-Sheik, para o Programa de Trabalho em Mitigação não impõe novas metas.
“Na prática, não servirá para nada”, diz nota do Observatório do Clima.
Financiamento
No tema do financiamento, a promessa de US$ 100 bilhões ao ano aos países pobres, acordada na COP de 2009, segue sem definição. Apesar de a ONU concordar que o valor atualizado necessário seria da ordem de 200 bilhões ao ano, nem a meta inicial chegou a ser cumprida e vários países tentam apresentar outros mecanismos financeiros, como o de seguro contra mudanças climáticas.
“Os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos continuam sem definição sobre quando e como serão pagos. Já são três anos de promessas não cumpridas. Os recursos foram cobrados pelo presidente eleito do Brasil em seu discurso na COP. No início da conferência, a primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley, também pediu uma revisão do sistema financeiro global “injusto e obsoleto”. A decisão de capa faz apenas um convite aos bancos multilaterais de desenvolvimento e às instituições financeiras internacionais a reverem suas práticas e instrumentos de financiamento climático. Ou seja, nada”, diz o Observatório do Clima.
Mantenham o 1,5ºC vivo
Até a menção à meta de limitar o aquecimento global preferencialmente a 1,5ºC – definida no Acordo de Paris e corroborada pelos relatórios do corpo científico da ONU, o IPCC – esteve sob risco. Segundo os EUA, alguns países pediam a retirada da cifra no texto final, por não ser ela, no entendimento deles, mais possível de ser atingida.
Durante as negociações, a União Europeia ameaçou se retirar da Conferência, caso o ponto não fosse mantido. O 1,5ºC ficou, mas não como muitos países queriam, pois a menção é fraca e não traz nenhuma adição ao que já havia sido acordado anteriormente.
“O texto final não demonstra a ambição necessária para alcançarmos a meta de 1,5ºC estabelecida pelo Acordo de Paris e o chamado plano de implementação é fraco e incipiente. Nunca estiveram tão claros o greenwashing de países e empresas e o desalinhamento entre ciência e política como nesta COP”, analisa Maurício Voivodic, diretor geral do WWF-Brasil. “A COP 27 decepcionou também no trato à sociedade civil e a ausência de uma Marcha do Clima nas ruas da cidade é a maior evidência do quanto a liberdade dos cidadãos foi cerceada pelo governo egípcio”, completa.
Pontos positivos
Um ponto positivo do documento final, denominado Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh, foi a inclusão, pela primeira vez, da menção a florestas e às soluções baseadas na natureza.
A menção a florestas, ainda que vaga, ajuda a iniciar uma ponte entre as COPs climática e de biodiversidade. Esta última está prestes a firmar seu primeiro grande acordo global no encontro que acontecerá a partir de dezembro, no Canadá. Nesse contexto, a primeira menção em um documento final da COP aos sistemas alimentares e à interconexão entre a produção de alimentos, biodiversidade, água e clima é também um sinal positivo deixado pela COP27.
“Trata-se de um avanço, notadamente para os países que ainda possuem grandes áreas de florestas, como o Brasil. Não obstante a maior fatia das emissões globais de gases de efeito estufa venha da queima de combustíveis fósseis, a destruição e degradação das florestas preocupa não só pelas emissões, mas também porque coloca em risco grandes sumidouros de carbono. A floresta amazônica é inclusive um gatilho climático global, cuja destruição não só altera o clima do planeta, como coloca a própria meta do Acordo de Paris em risco”, diz nota da WWF Brasil.
Em sua mensagem final, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, sintetizou o clima deixado pela COP 27, que prometia ser a “COP da Implementação”, mas falhou nesta sua meta.
“A COP 27 foi concluída com muito dever de casa a ser feito e pouco tempo para fazê-lo. Já estamos a meio caminho entre o Acordo Climático de Paris [2015] e o prazo de 2030. Precisamos de todas as mãos no convés para impulsionar a justiça e a ambição”, afirmou.
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