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Indígenas lutam por melhores condições para votar no segundo turno

Falta de transporte, mudança no horário de votação e longas filas foram maiores obstáculos no primeiro turno; Apib oficiou TSE e TREs denunciando crimes eleitorais

Longas filas marcaram o primeiro turno em São Gabriel da Cachoeira e foram fator de desmobilização para parte dos eleitores Crédito:  Ana Amélia Hamdan/ISA
Longas filas marcaram o primeiro turno em São Gabriel da Cachoeira e foram fator de desmobilização para parte dos eleitores. Crédito: Ana Amélia Hamdan/ISA

Com índices de abstenção acima da média nacional (20,9%), comunidades indígenas no Amazonas, Roraima, Bahia e Mato Grosso relataram dificuldades e irregularidades para votar no primeiro turno, conforme apuração do Instituto Socioambiental (ISA).


A alta quantidade de denúncias levou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a enviar um ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais Eleitorais, requerendo oferecimento amplo de transportes e denunciando crimes eleitorais.


“Estamos solicitando providências junto aos órgãos responsáveis para que haja maior fiscalização quanto a tentativas de coação e de impedimento ao exercício legal do voto, diminuindo assim o número de abstenção”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, em nota.


Em São Gabriel da Cachoeira (AM), município com a maior concentração de indígenas no Brasil, 10.273 eleitores deixaram de votar – uma abstenção de 32,5%, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM). Nos vizinhos Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, as taxas foram ainda mais altas, atingindo 35,9% e 37,4%, respectivamente.


Relatos dos próprios indígenas apontam que um dos principais desafios são as longas distâncias que muitos têm que percorrer até o local de votação. Outros obstáculos registrados foram longas filas e a mudança de horário da votação.


“É uma região imensa, em que algumas famílias têm que viajar o dia inteiro ou até mais de um dia para chegar às urnas”, avalia Gersem Baniwa, professor da Universidade de Brasília e um dos fundadores da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).


Em 2022, 28 comunidades indígenas receberam urnas em São Gabriel da Cachoeira e outras duas em Santa Isabel do Rio Negro, enquanto Barcelos não recebeu nenhuma. A quantidade, porém, ainda é pequena perto das 750 comunidades e sítios estimados nos três municípios.


No primeiro turno, por exemplo, indígenas Yanomami que vivem na comunidade Maiá precisaram viajar por três dias em voadeiras – pequenas embarcações a motor – para conseguirem votar na sede de São Gabriel da Cachoeira.

E há os custos envolvidos na viagem, que a maioria não tem condições de cobrir. No dia 18 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu que prefeituras e empresas de ônibus podem oferecer transporte público gratuito no segundo turno das eleições. Consultada dia 25, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira disse que ainda estava se informando sobre a medida.


A decisão do STF, no entanto, pode não ser suficiente para garantir o direito ao voto. No caso de comunidades indígenas, o apoio deve ser diferenciado e garantir oferta de transporte público das aldeias às urnas mais próximas, seja por vias terrestres ou fluviais.


Em Barcelos, onde a maioria dos eleitores indígenas é Yanomami, a logística complexa e a falta de recursos impediram pessoas de votar, comenta Rosilene Menez da Silva, do povo Baré, presidente da Associação Indígena de Barcelos (Asiba).


“Lá [na comunidade] Nova Jerusalém, por exemplo, solicitaram uma urna, porque é muito longe e o gasto é muito alto, mas o TRE não conseguiu colocar”, conta. “Eu creio que esse índice [de abstenção] aumentará mais ainda no segundo turno, porque aqueles que vieram das comunidades para votar no primeiro turno não vêm mais”.


“As próprias pessoas arcam com as despesas [de combustível] para poderem votar”, relata Plínio Guilherme Marcos, da etnia Baniwa, morador de São Gabriel da Cachoeira. A comunidade onde ele mora, Tunuí-Cachoeira, na Terra Indígena Alto Rio Negro, recebeu urnas, mas moradores de comunidades próximas, como Santa Rosa, Castelo Branco e Vista Alegre, precisaram ir até Tunuí para registrar seus votos.


Frequentemente, o custo para o deslocamento é muito mais alto que a taxa cobrada pelo TSE pelo não comparecimento, de R$ 3,51. Sem apoio, os eleitores podem ficar mais vulneráveis à compra de votos, ou enfrentar dificuldades para regressar às aldeias, caso de 400 eleitores Yanomami que estão em Barcelos desde o primeiro turno, alocados de maneira precária, sem acesso ao combustível necessário para fazer a viagem de volta.


“Precisamos garantir materialmente o direito ao exercício do voto. Assim como nas cidades se libera transporte público para os municípios, o mesmo deveria acontecer ao longo dos rios”, aponta Gersem Baniwa.


Fuso horário e fechamento das urnas


Além disso, pela primeira vez, a votação em todo o país seguiu o horário de Brasília, com adaptações para a hora local nos municípios que estão em fusos diferentes. Em São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, as urnas ficaram abertas das 7h às 16h.


A mudança foi divulgada pela Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e pelo Cartório Eleitoral de São Gabriel da Cachoeira na Rádio O Dia FM, mas alguns eleitores ainda assim se confundiram e chegaram às suas seções eleitorais após o fechamento dos portões.


Além disso, pela primeira vez, a votação em todo o país seguiu o horário de Brasília, com adaptações para a hora local nos municípios que estão em fusos diferentes. Em São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, as urnas ficaram abertas das 7h às 16h.


A mudança foi divulgada pela Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e pelo Cartório Eleitoral de São Gabriel da Cachoeira na Rádio O Dia FM, mas alguns eleitores ainda assim se confundiram e chegaram às suas seções eleitorais após o fechamento dos portões.


Cards com informações para eleitores nas línguas Yanomami e Nheengatu, respectivamente | Crédito: Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas


Ainda, alguns eleitores indígenas chegaram a esperar até três horas nas filas, problema que se repetiu em zonas eleitorais em todo o país. A demora desmobilizou os eleitores e parte deles preferiu ir embora sem votar.

De acordo com Rosilene da Silva, da Asiba, um dos fatores que contribuiu para as longas filas foi a dificuldade para usar a urna eletrônica, em especial por indígenas que não falam o português.


O desconhecimento do sistema, relata ela, gerou situações complicadas: um eleitor yanomami, por exemplo, teria sido induzido pelo intérprete que o acompanhava a votar em um candidato diferente daquele que pretendia. “Tem que ter uma preparação. O TRE poderia, antes das eleições, ensinar essas pessoas a votar”, aponta Rosilene.


Para Gersem Baniwa, a abstenção reflete uma piora no comprometimento da população local com a política e a cidadania, fator que faz escalar a abstenção. “A gente percebe muito pouco debate sobre a importância do voto, de se participar da escolha”, considera.


Ainda segundo ele, a polarização política no Brasil também se registra nas comunidades indígenas, dificultando o diálogo. “Anos atrás, as comunidades se preparavam com antecedência, faziam vaquinhas para juntar combustível, iam em canoas coletivas votar. Esse movimento não há mais”.


Visando maior participação dos povos indígenas em pleitos futuros, ele reforça a necessidade de as associações indígenas fortalecerem a formação política e cidadã das comunidades. “É preciso fazer um trabalho extensivo nas aldeias, e não só com as lideranças”, diz. “Sem debate, agenda e pauta, não tem consciência e mobilização. É toda uma cadeia em que, [como] resultado final, os indígenas têm dificuldades de eleger seus representantes”.


O ISA procurou o Tribunal Superior Eleitoral por e-mail para que comentasse sobre os desafios registrados em todo o país, mas foi orientado a buscar os Tribunais Regionais Eleitorais e o Ministério Público Federal. Até o fechamento dessa reportagem, o TRE do Amazonas não havia respondido às perguntas sobre os problemas relatados pelas comunidades do Rio Negro.


Indígenas em Roraima e no Mato Grosso


Mesmo em Roraima, estado com a menor taxa de abstenções do país, o direito ao voto das comunidades indígenas não foi plenamente cumprido. É o que relata Joice Alberto de Souza, do povo Wapichana, moradora da Comunidade Novo Paraíso, em Bonfim (RR). “Muitas pessoas deixaram de votar. Um dos motivos é que muitos jovens, de 20 e 21 anos, não tiraram o título de eleitor.”.


No entanto, o principal desafio foi a falta de transporte. Segundo Joice, as urnas ainda não chegam à sua comunidade e os eleitores, cerca de 120 pessoas, se dividem entre duas seções eleitorais: uma na Vila São Francisco, a aproximadamente 7 km de distância e outra na Comunidade Manoá, a 20 km de distância. “Muitas famílias não têm transporte [privado] e não conseguem chegar até o destino da sua votação”, conta.


Ela afirma que em nenhum momento a justiça eleitoral de Bonfim os procurou para oferecer soluções à questão do transporte, o que, segundo a jovem, abre margem para que candidatos ofereçam carona em troca de votos e até de dinheiro. O ISA procurou o Cartório da 5ª Zona Eleitoral (Boa Vista, Bonfim, Cantá e Normandia), mas não conseguiu contato até o fechamento desta reportagem.

Legenda: Elza Tenório Vieira chegou atrasada à seção eleitoral em São Gabriel da Cachoeira e ficou sem votar no primeiro turno | Crédito: Ana Amélia Hamdan/ISA
Legenda: Elza Tenório Vieira chegou atrasada à seção eleitoral em São Gabriel da Cachoeira e ficou sem votar no primeiro turno | Crédito: Ana Amélia Hamdan/ISA

Problemas semelhantes foram levantados por comunidades na Bacia do Xingu. Dentro da zona eleitoral de Querência (MT), por exemplo, nenhuma urna foi instalada em aldeias indígenas. O cartório eleitoral da região ofereceu ônibus para apoiar o deslocamento até a cidade, mas algumas dificuldades foram registradas.


Lideranças da aldeia Afukuri, do povo Kuikuro, relataram que os motoristas dos veículos teriam se perdido no caminho, causando atrasos. Para o segundo turno, eles pedem que os ônibus cheguem na aldeia no dia anterior às eleições, mas, segundo o cartório eleitoral, esta medida está sujeita a uma checagem do volume de chuvas e da condição das estradas. Questionado, o cartório eleitoral respondeu que “os ônibus irão onde é possível o tráfego, [sendo] feitas tratativas com as lideranças dos locais [onde há] possibilidade de inacessibilidade, em busca de alternativas”.


Entre o povo Khisêtjê, lideranças indicam que houve uma desmobilização, em especial de pessoas idosas, quando estas souberam que precisariam ir de ônibus até Querência e passar o dia longe da aldeia para votar.

Nas Eleições Municipais de 2020, uma medida emergencial de combate à covid-19 permitiu a instalação de urnas na Escola Estadual Central Kisêdjê, na Terra Indígena Wawi e na Escola Aldeia Kalapalo, no Território Indígena do Xingu, facilitando a expressão cidadã dos indígenas nesses territórios.


O cartório eleitoral não manteve esse recurso nas Eleições 2022 e informa que a inclusão de urnas em terras indígenas só será possível após esse ciclo, “condicionada a estudos que garantam a efetividade e segurança dos trabalhos eleitorais”.


Nas aldeias do Território Indígena do Xingu que estão próximas ao município de Feliz Natal (MT), há uma seção eleitoral na Escola Estadual Ikpeng, na aldeia Pavuru, acessível por via fluvial. O deslocamento desses eleitores é responsabilidade da Comissão de Transportes Eleitorais do Cartório Eleitoral de Vera (MT), que afirma ter fornecido neste ano 700 litros de combustível e 14 litros de óleo náutico, a serem rateados entre sete aldeias.


Oporike Ikpeng, diretor regional da Articulação Terra Indígena do Xingu (ATIX) no Médio Xingu, confirma que o combustível foi enviado, mas comenta que a quantidade ainda não é suficiente para garantir o amplo direito ao voto dos indígenas na região. “Têm aldeias muito distantes, que consomem muita gasolina, então falta [combustível] para trazer esses eleitores”, diz. “Quando não tem condições, essas aldeias não aparecem para votar”.


“Isso pode acontecer, mas é por uma questão de disponibilidade”, pondera Luis Antonio Rodrigues, representante do cartório eleitoral. Ele argumenta que a quantidade de combustível fornecida pode aumentar em pleitos futuros, mas isso depende de uma compatibilidade entre os recursos destinados a essa finalidade pela Comissão de Transportes e a quantidade requerida pelas comunidades indígenas. “Se tem reclamações, elas devem ser levadas ao Juiz Eleitoral ou para o TRE-MT, para que apontem uma solução do que poderia ser viabilizado”.


Oporike cita como dificuldade também a falta de apoio com alimentação para os eleitores que vêm de longe, mas avalia que este não é um fator decisivo para elevar os índices de abstenção. Em 2022, a aldeia Pavuru registrou 24,6% de abstenção.


Indígenas na Bahia


Na região do extremo sul da Bahia, comunidades indígenas foram impedidas de votar no primeiro turno das eleições, de acordo com relatos colhidos pela Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas Intercultural da Temática Indígena (CEPITI), entre os dias 15 a 17 de outubro.


Segundo relatos das comunidades, na Região do Descobrimento, os indígenas não puderam sair de suas aldeias por medo, coação de pistoleiros e fechamento de passagens em estradas. A eleição em Prado, onde vivem mais de seis mil indígenas, município com maior número de indígenas da Bahia, registrou uma abstenção de 27,84%.


"Abstenção é uma palavra insossa que não quer dizer nada. Tem que desembrulhar a palavra ‘abstenção’ como a gente desembrulha evasão escolar, igual a evasão dos negros e indígenas da universidade porque não tem política de permanência. Esconde de fato a causa central do que a gente chama abstenção, que não é o sujeito que diz: ‘eu não quero votar, não tô interessado em eleições', mas que elimina compulsoriamente grupos, e grupos racializados, como é o caso dos indígenas”, afirma a professora Maria Geovanda Batista, coordenadora do CEPITI, da UNEB, e docente do colegiado dos cursos de licenciatura intercultural em educação escolar indígena e pedagogia intercultural.


“Podem falar: ‘ah, tá tudo bem, é um grupo pequeno, 30 da Aldeia Nova, 30 do Vale do Kay’. Eu pergunto, quantos povos e comunidades indígenas estão sendo atacados hoje? Será um fenômeno só dos Pataxó?”, questiona.


Além da coação de pistoleiros e do medo generalizado dos indígenas de saírem de suas aldeias para irem votar, dificuldades para se descolar também foram relatadas. Aqueles que não corriam ameaça iminente contra suas vidas, não tiveram como se dirigir aos locais de votação, devido à longa distância entre as comunidades e as zonas eleitorais. Na Aldeia Barra Velha, os indígenas precisam percorrer mais de 100 quilômetros para votar.


O Movimento Indígena da Bahia (MIBA) protocolou, no dia 25 de outubro, no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), um pedido de providências para que assegure o cumprimento do direito ao voto de “não só os indígenas, mas também os quilombolas e todos aqueles que necessitem de tais políticas”.


Na ação, o MIBA solicita que o TRE “auxilie tais comunidades no que diz respeito ao transporte aos respectivos locais de votação, ou então, alternativamente, que forneça os respectivos serviços, ou então, em último caso, que se obrigue as Prefeituras Municipais de Porto Seguro e Prado a concretizarem tais diligências”.


Na noite de 26 de outubro, a Justiça da 112ª Zona Eleitoral de Prado manifestou-se favoravelmente à ação. O órgão autorizou a utilização de veículos próprios, alugados ou emprestados, desde que sejam devidamente vistoriados e credenciados pelo Cartório Eleitoral, para o transporte de eleitores indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais. No caso, foi ressaltado que a decisão é restrita à extensão territorial dos municípios de Prado, Alcobaça e Caravelas, não abrangendo Porto Seguro, por se tratar de Juízo eleitoral diferente.


O órgão destacou ainda “que resta patente a necessidade de se garantir o pleno exercício dos direitos políticos pelas comunidades indígenas locais”, e indicou que seja “assegurado o fornecimento de transporte à população de aldeias indígenas, quilombolas e integrantes de comunidades remanescente, para viabilizar o exercício do voto”. Eventuais dúvidas sobre a logística de vistoria e credenciamento podem ser direcionadas diretamente no Cartório Eleitoral de Prado, por meio do WhatsApp (73) 3298-1155.


Acesse os canais do Tribunal Superior Eleitoral para tirar dúvidas, verificar notícias falsas, se informar sobre o voto consciente, aprender a usar a urna eletrônica e saber quais documentos levar no domingo.

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