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Garimpo ilegal e coronavírus na Terra Yanomami deixam milhares de indígenas à própria sorte

Garimpo ilegal e coronavírus na Terra Yanomami deixam milhares de indígenas à própria sorte. Entrevista especial com Dário Kopenawa


Ao todo são 168 indígenas yanomami contaminados por coronavírus, dez mortos, dos quais cinco tiveram confirmação de covid-19, e três crianças enterradas no cemitério da cidade, sem informar nem consultar previamente suas mães. Os dados são da Hutukara Associação Yanomami, que tem à frente, como um dos seus interlocutores, Dário Kopenawa, que concedeu esta entrevista por telefone à IHU On-Line. “Com a chegada dos garimpeiros, temos enfrentado muitos problemas sérios relacionados a assassinatos, prostituição, violência, danos ambientais e a contaminação dos nossos igarapés e rios grandes. A vida do povo Yanomami está muito prejudicada, porque a população está com muitos problemas sérios de saúde”, conta Dário Kopenawa.


Não bastasse todo o contexto pandêmico, a violência direta de garimpeiros vitimou dois yanomami que estavam dentro do próprio território. “Estamos muito tristes e muito revoltados porque nossos parentes foram assassinados na própria comunidade, na terra onde nasceram, cresceram e viveram. O garimpo ilegal matou esses indígenas em suas terras. Em 1993 houve o Massacre do Haximu, em que foram assassinados 16 yanomami, e não vamos aceitar que isso se repita, porque sofremos muito”, relata Kopenawa.


Apesar de recorrerem aos órgãos competentes para garantir o apoio que a Constituição Federal lhes confere, são os conhecimentos tradicionais dos Yanomami que os têm protegido da pandemia. “Os Yanomami têm que ir para dentro da floresta, onde o xawara não pode infectar as pessoas. Isso é importante para cuidarmos das nossas lideranças mais velhas. Eles têm que ir para o mato e se esconder até passar essa fumaça de epidemia xawara. Essa prática não é só de hoje, essa é a nossa cultura, nossos ancestrais falavam isso. Quando outras comunidades ficavam cheias de doenças e epidemias, as pessoas tinham que ir para o mato, viver ali 30 dias, 60 dias, ou mesmo quando uma pessoa chegava infectada na comunidade. Isso é a nossa cultura”, explica Dário Kopenawa.


O que a história do choque entre os mundos indígena e branco mostra é que o papel dos bárbaros sempre foi cumprido com enorme eficiência pelos últimos. “Essa civilização que mata as pessoas, as culturas, as tradições, os rituais, as línguas é a do branco. Essa civilização que combate os indígenas não vai acabar, porque tem muita gente de nosso país, e estrangeiros que vêm viver aqui, que estão crescendo economicamente com isso”, lamenta o entrevistado. Na entrevista, Dário ressalta a importância das pessoas assinarem a campanha Fora garimpo, Fora covid, pois se trata de um meio de pressionar as autoridades.


Dário Vitório Kopenawa Yanomami nasceu em 1982, na comunidade do Watoriki (Serra do Vento), também conhecida como Demini, no Amazonas, no Brasil. Ainda vive lá. É o filho mais velho de Davi Kopenawa Yanomami, líder conhecido em todo o mundo pela defesa dos direitos do povo Yanomami. Dário segue os passos do pai, e começou sua luta ainda jovem quando, de 1997 a 1999, tornou-se professor em sua comunidade, encabeçando o projeto de educação intercultural bilíngue com grande ênfase na valorização da escrita da língua Yanomami. Em 2004 ele se tornou o responsável pela escola em sua comunidade, e ao mesmo tempo se juntou ao conselho de administração da Hutukara Associação Yanomami, da qual seu pai é o presidente.


Confira a entrevista


IHU On-Line – Quais são as principais dificuldades que as populações Yanomami têm enfrentado atualmente com o garimpo em Roraima?


Dário Kopenawa – Estamos enfrentando há muito tempo o problema do garimpo ilegal e isso vem se agravando cada vez mais. Entre 2016 e 2020 ocorreu um aumento muito grande do garimpo na Terra Indígena Yanomami. Nestes últimos cinco anos o número de invasores que se espalharam por nossas terras já ultrapassou os 20 mil garimpeiros, então nós da Hutukara Associação Yanomami e nossos parentes já fizemos várias denúncias aos órgãos públicos, como a Polícia Federal – PF, o Exército e o Ministério Público Federal – MPF.


Com a chegada dos garimpeiros, temos enfrentado muitos problemas sérios relacionados a assassinatos, prostituição, violência, danos ambientais e a contaminação dos nossos igarapés e rios grandes. A vida do povo Yanomami está muito prejudicada, porque a população está com muitos problemas sérios de saúde.


Essas são as dificuldades que estamos enfrentando diariamente. Estamos preocupados e tristes, mas não vamos parar de fazer as denúncias aos órgãos públicos e fiscalizadores, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, Fundação Nacional do Índio – Funai, MPF e PF, além de outros responsáveis por proteger a floresta e os povos nativos.

O que está acontecendo na Terra Yanomami não é de hoje, de ontem, deste mês, deste ano. É um problema há muito tempo. Estamos, cada vez mais, denunciando e cobrando dos órgãos públicos para que eles assumam suas responsabilidades e deveres, principalmente o presidente da República, para quem já encaminhamos essas denúncias. Não temos mais o que fazer, o que vamos fazer? Já reunimos todos os materiais e documentos para fazer as denúncias e para esses órgãos reconhecerem o problema que estamos enfrentando hoje em dia no território Yanomami.


IHU On-Line – Qual resposta os órgãos têm dado a vocês Yanomami?


Dário Kopenawa – A gente não tem retorno desses órgãos sobre os documentos que já entregamos e sobre as denúncias que fizemos.


IHU On-Line – Quantos yanomami vivem na Terra Indígena Yanomami?


Dário Kopenawa – Hoje, na Terra Indígena Yanomami, são 26 mil yanomami em dois estados, Roraima e Amazonas. O nosso território está demarcado assim.


IHU On-Line – Como os Yanomami compreendem o surgimento de doenças como a do coronavírus – chamadas de epidemia xawara – e como elas estão diretamente ligadas ao garimpo?


Dário Kopenawa – Esse é um outro problema que entrou em sobreposição com os vários problemas que já enfrentamos. Para nós o coronavírus não é novidade. Esse tipo de doença já aconteceu com nosso povo nas décadas de 1970 e 1980, especialmente em 1986, quando a nossa população reduziu para 22%, morrendo muitos yanomami. A gente conhece essa doença, que na nossa língua Yanomami se chama “xawara”. O coronavírus também é xawara, porque é epidemia, mata pessoas do mundo inteiro, mas também os povos da floresta. Essa doença foi trazida para cá por não indígenas, principalmente os garimpeiros, que já contaminaram os yanomami, principalmente na região do Rio Uraricoera, onde tem um garimpo muito pesado, transmitindo essas doenças para as comunidades próximas.


O garimpo ilegal é um vetor de transmissão de muitas doenças, não só do coronavírus, mas também de malária, diarreia, por exemplo, sem contar que contaminam nossos rios e impactam nossas comunidades e nosso território Yanomami. Essa é realidade do que está acontecendo.


IHU On-Line – Quantos yanomami foram contaminados pela covid-19?


Dário Kopenawa – Na Terra Yanomami morreram cinco indígenas que foram confirmados como vítimas de covid-19. Há outros cinco que morreram, mas as causas ainda estão em investigação. Na cidade, onde os yanomami estão internados ou procurando ajuda com médicos da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai, são 168 casos confirmados de coronavírus. Esses são os números de yanomami infectados pelo coronavírus que conseguimos levantar.


IHU On-Line – O que se sabe sobre os bebês yanomami que entraram para um tratamento médico e sumiram? As autoridades alegam que eles foram enterrados e identificados, e o que será feito a partir de agora? Como ficam os rituais da cultura Yanomami?


Dário Kopenawa – São vários os yanomami internados. Essas mães e essas crianças que vieram para a cidade fazer tratamento em Boa Vista, junto ao Sesai, foram removidas diretamente para o hospital. É o caso também de uma criança recém-nascida que foi contaminada no hospital. Então, as mães não sabiam, não tinham muito conhecimento, que seus filhos haviam sido contaminados com covid-19, devido à falta de comunicação, clareza, diálogo e mesmo de conhecimento sobre o coronavírus. Depois as crianças acabaram falecendo. Os órgãos públicos não avisaram as mães, não falaram por que as crianças haviam morrido, não consultaram as mães sobre nada. Depois elas foram sepultadas no cemitério da cidade, mas não avisaram as mães yanomami, só foram recebidas e comunicadas muito mais tarde pelas autoridades.


Por causa disso entramos na briga e acionamos o MPF, nosso parceiro, que responde à questão indígena, e agora para retirar as crianças yanomami enterradas estamos diante de uma enorme burocracia, tendo que responder a protocolos sanitários do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde – OMS. Estamos lutando para desenterrar essas crianças com a maior segurança e estudando como vamos levar para as aldeias.


A Hutukara Associação Yanomami entrou com uma ação no MP para que o Estado esclarecesse onde as crianças estavam enterradas, porque as mães e o povo Yanomami têm o direito de saber. Denunciamos o Estado brasileiro porque esse é um direito. Agora estamos trabalhando na justiça com os documentos devidos para recebermos o sinal positivo para as mães levarem os corpos para as aldeias e fazer as celebrações fúnebres para chorar essas perdas. Não são só as mães que estão sofrendo, há irmãos, primos, tias, tios, avós, que estão lá esperando esses corpos. Levá-los de volta é muito importante para que os Yanomami fiquem muito felizes, mas antes vamos chorar e chorar, muito. Mas precisamos fazer o ritual de cremação, porque, nós, os Yanomami, sabemos cremar, há pessoas específicas para esse trabalho, com experiência. Nós temos que fazer a nossa cerimônia, cremação, choro e, depois, guardar a cinza para fazer festa grande e chamar vários de seus amigos e enterrar as cinzas onde as crianças nasceram. É isso que as mulheres e mães esperam fazer. É isso que os órgãos públicos têm que reconhecer, porque a cultura e a identidade Yanomami é totalmente diferente da cultura dos não indígenas. É isso que estamos cobrando do Estado brasileiro, que ele esclareça por qual razão as crianças foram enterradas. Nós vamos seguir e a luta vai continuar.


IHU On-Line – Como os Yanomami têm se organizado para proteger os anciãos? Como os xamãs têm trabalhado para enfrentar esta pandemia?


Dário Kopenawa – Os Yanomami têm que continuar o isolamento em seu território e em suas aldeias. Os Yanomami têm que ir para dentro da floresta, onde o xawara não pode infectar as pessoas. Isso é importante para cuidarmos das nossas lideranças mais velhas. Eles têm que ir para o mato e se esconder até passar essa fumaça de epidemia xawara. Essa prática não é só de hoje, essa é a nossa cultura, nossos ancestrais falavam isso. Quando outras comunidades ficavam cheias de doenças e epidemias, as pessoas tinham que ir para o mato, viver ali 30 dias, 60 dias, ou mesmo quando uma pessoa chegava infectada na comunidade. Isso é a nossa cultura.


Para o combate ao coronavírus temos os xamãs, os médicos da floresta, que são fundamentais, pois trabalham no bloqueio do território Yanomami. Além disso, os xamãs estão monitorando o caminho do xawara e trabalhando para enfraquecer o efeito do coronavírus, por isso não pode morrer mais yanomami. Esse conhecimento tradicional e imaterial, que é feito por meio do xamanismo, é importante para cuidar do território e do povo Yanomami.


IHU On-Line – Os Yanomami estão em contato com outros povos indígenas da região?


Dário Kopenawa – A gente não conseguiu conversar com outros de nossos parentes, mas dentro do território Yanomami estamos nos comunicando. Fora do território não conseguimos falar com nossos parentes, como os Macuxi e outros indígenas do Estado. Mas na Terra Yanomami todos os nossos parentes foram avisados, até mesmo os parentes venezuelanos. Estamos dialogando e conversando.


IHU On-Line – Como você vê essa guerra de mundos entre os brancos e os povos indígenas?


Dário Kopenawa – Esse não é um problema gerado pelos povos indígenas, mas pela sociedade não indígena, do homem branco. Essa civilização que mata as pessoas, as culturas, as tradições, os rituais, as línguas é a do branco. Essa civilização que combate os indígenas não vai acabar, porque tem muita gente de nosso país, e estrangeiros que vêm viver aqui, que estão crescendo economicamente com isso. Esse conflito sempre tem como objetivo acabar com a cultura e com os povos indígenas. Por razão da demarcação dos nossos territórios, que é um pedacinho de terra, a sociedade, através da colonização, entra em disputa por nossos territórios. Esse é um problema muito sério e muito antigo.


Quando os invasores europeus chegaram, isto é, quando seus [dos brancos] bisavós chegaram, eles começaram a perturbar a vida dos indígenas do Brasil. A vida da mãe terra também foi prejudicada, roubada, destruída com desmatamento e ocupação de um território muito grande. Nesse território que hoje se chama Brasil não existiam sociedades não indígenas, portanto essa ocupação é uma violação dos direitos humanos, dos direitos da terra, e como somos os guardiões da floresta, da mãe terra e dos povos originários contra essa sociedade, eu vejo que o problema do conflito está na mão da sociedade não indígena. Isso não é um problema dos indígenas, da mãe terra, mas do homem branco que trabalha para dizimar qualquer direito que temos [os indígenas e a natureza] hoje em dia. Esses problemas do homem branco de origem econômica, de mineração, de exploração dos nossos territórios, de subsolo, não vão acabar. Isso é uma forma de tentar acabar com os povos da floresta.


Nós vamos continuar a mostrar a nossa resistência que existe desde a primeira invasão do nosso país, quando havia aqui mais de 5 milhões de povos indígenas e mais de 200 milhões indígenas, nossos avós e nossos ancestrais, que o homem branco matou. Somos sobrevivência. Somos gerações de pessoas que estão lutando até agora, enfrentando esta civilização e o homem branco, que sempre fez isso e continua fazendo.


IHU On-Line – O que mudou para os Yanomami depois da eleição de Jair Bolsonaro?


Dário Kopenawa – Esse problema que eu acabei de mencionar existe há muito tempo. A primeira invasão do nosso país era ainda pior, acabei de mencionar. Isso está se repetindo, depois de 520 anos, são ameaças, massacres, assassinatos, matança de bichos com armas de fogo, isso tudo continua. Então não tem mudança.


As pessoas que nascem com problema de cabeça, mental, são quem criam os problemas. Isso é uma questão no governo Bolsonaro. É histórico o que ele está fazendo hoje. Até os anos 1970 morreram muitos Yanomami e em 1986 isso também aconteceu. Mas hoje temos o crescimento do garimpo ilegal e o coronavírus, que são dois problemas que aparecem juntos.


Na vida do povo Yanomami vemos os brancos querendo acabar com as terras indígenas e com a vida dos povos indígenas. Essas mudanças levam à morte, à violência e muitos outros problemas que estamos enfrentando. O coronavírus é um genocida que mata as pessoas, o garimpo também é um genocida, e por isso estamos vendo, cada vez mais, pessoas morrendo, o que acontece junto com uma politicagem que viola os direitos dos povos indígenas. Com o governo Jair Bolsonaro todos estamos vivendo esta problemática. Os brancos estão vivendo sem terra, sem casa, sem comida, vivendo na rua, morando na rua, dormindo na rua e morrendo na rua. Isto é o que está acontecendo. Os povos indígenas não estão morrendo sozinhos.


IHU On-Line – Do que se trata e como está a campanha “Fora Garimpo, Fora Covid-19”?


Dário Kopenawa – Há mais de 20 mil garimpeiros espalhados na Terra Indígena Yanomami. A campanha Fora Garimpo, Fora covid tem como objetivo denunciar para a sociedade não indígena do mundo inteiro o que está ocorrendo. Estamos demonstrando, através dessa campanha, que ultrapassamos todos os limites toleráveis, porque esperávamos que as autoridades brasileiras já tivessem resolvido esse problema. Junto com todas as lideranças indígenas, crianças e mulheres de nossas aldeias, decidimos que essa campanha seria a nossa arma contra o garimpo. Nosso desejo é retirar imediatamente os garimpeiros de nossa terra indígena.


É muito importante que essa campanha seja divulgada, porque o povo Yanomami precisa desta ajuda, e que a campanha se espalhe no mundo inteiro. É importante que a sociedade não indígena assine o abaixo-assinado e compartilhe nas redes sociais, porque precisamos pressionar os governos no mundo inteiro sobre esse problema do garimpo. É fundamental que se apoie a campanha para pressionar todos os órgãos competentes e tornar visível a realidade que temos vivido atualmente.


IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?


Dário Kopenawa – Eu acabei de falar do garimpo na terra Yanomami e tenho que informar que dois de nossos parentes foram assassinados no próprio território, na região da Serra Parima, na comunidade Xaruma. Na terra Yanomami há muitos garimpos trabalhando ilegalmente e esses indígenas foram assassinados por esses garimpeiros. Estamos muito tristes e muito revoltados porque nossos parentes foram assassinados na própria comunidade, na terra onde nasceram, cresceram e viveram. O garimpo ilegal matou esses indígenas em suas terras. Em 1993 houve o Massacre do Haximu, em que foram assassinados 16 yanomami, e não vamos aceitar que isso se repita, porque sofremos muito.


Queremos apoio, justiça, que as autoridades tomem as providências, que os policiais investiguem quem matou nossos parentes, porque eles têm que ser presos, porque cometeram crime previsto na legislação brasileira. Precisamos que os órgãos competentes tomem providências e condenem quem matou nossos parentes. Vamos continuar lutando e falando nisso, porque não vamos deixar barato. Queremos justiça e que essas pessoas sejam presas!


Por: Ricardo Machado, em IHU On-Line

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