Menina Yanomami de 12 anos é assassinada depois de ser estuprada por garimpeiros
Líder indígena teme revolta de indígenas e massacre de comunidade que tem cerca de 30 Yanomami vivendo juntos. A imagem acima mostra corrutela de garimpo no rio Uraricoera, na TI Yanomami
Por: Fabrício Araújo
Crédito: Bruno Kelly/HAY
Boa Vista (RR) – Uma menina de 12 anos estuprada até a morte e uma criança perdida após ser jogada em um rio. Este é o resultado de um ataque feito por garimpeiros contra a comunidade Aracaçá, que fica na região de Waikás, na Terra Yanomami, em Roraima, na segunda-feira (25). A informação foi dada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari, em sua rede social, e confirmada à reportagem da Amazônia Real.
Enquanto a maior parte dos indígenas caçava, os garimpeiros se aproveitaram para invadir a comunidade. Segundo o presidente do Condisi, uma mulher, a menina e outra criança de 4 anos foram levadas pelos garimpeiros até o acampamento ilegal de ouro. A menina foi violentada. A tia tentou contê-los, mas foi impedida pelos garimpeiros que, num ato violento, jogaram a outra criança no rio, segundo Junior.
“Eles chegaram de surpresa, só estavam as três. O restante da comunidade estava no mato, trabalhando na roça e caçando. Então elas estavam sozinhas e os garimpeiros se aproveitaram”, declarou Junior Hekurari nesta terça-feira (27).
A mulher conseguiu escapar nadando até a comunidade, mas ao que tudo indica foi a única sobrevivente. O corpo da criança ainda não foi localizado, enquanto o da menina já foi recuperado pelos moradores da aldeia. Na região está chovendo forte, o que impossibilita que a ajuda chegue por meios aéreos para prestar ajuda, segundo Hekurari.
O presidente do Condisi quer que as autoridades apurem mais este episódio de extrema violência contra os Yanomami, que desde 2021 vêm sofrendo ataques generalizados nas suas aldeias.
“Eu estou muito preocupado. Esta comunidade está muito chateada e corre o risco de tentarem revidar atacando os garimpeiros. Só que os garimpeiros estão armados e em um embate a comunidade vai ser totalmente massacrada porque só vivem cerca de 30 pessoas lá”, declarou o líder Yanomami.
Júnior Hekurari enviou um ofício ao Distrito de Saúde Indígena (Dsei), à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Polícia Federal e ao procurador da República, Alisson Marugal.
Aracaçá foi a comunidade da TI Yanomami que apresentou o maior índice de contaminação por mercúrio no diagnóstico realizado pela Fiocruz em 2014/15 em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), sendo considerada a área em situação mais alarmante. Segundo o estudo, 92% do total de amostras dos moradores da aldeia apresentaram índices elevadíssimos de contaminação.
De acordo com o relatório divulgado no último dia 11 de maio pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), a aldeia Aracaçá está “em vias de desaparecimento tamanha a desestruturação social provocada pela influência dos garimpeiros”, que levaram bebidas e um “pó branco” que deixaram os indígenas viciados, alterados e violentos.
Os indígenas Sanöma, um grupo que faz parte do povo Yanomami, “deixaram de abrir roças e hoje dependem da alimentação oferecida pelos garimpeiros em troca de serviços, como carregar combustível e realizar pequenos fretes de canoa”, diz o relatório.
O relatório “Yanomami Sob Ataque” registrou três ataques de garimpeiros que resultaram na morte de ao cinco sete crianças desde o início de 2021.
Um dos casos destacados pelo relatório é um ataque a tiros na comunidade Yakepraopë, na região de Palimiu, que resultou na morte por afogamento de duas crianças. Segundo o relatório, os atiradores eram capangas de uma das “donas” da zona de exploração do Rio Uraricoera, que margeia a TI Yanomami.
Também houve um caso de revolta que gerou a interceptação de um bote com 900 litros de combustível que tinha como destino o “garimpo de Dona Íris”. Os indígenas fizeram a ação após uma criança morrer afogada em 27 de abril de 2021. Conforme o relatório, um barco de garimpeiro gerou uma forte onda em um local onde a família da vítima tomava banho.
Já o terceiro caso relatado, também ocorreu por afogamento. Mais duas crianças morreram “enquanto brincavam na praia em frente às suas casas, após serem derrubadas e sugadas pela correnteza gerada por uma draga garimpeira que operava a poucos metros da comunidade”, em outubro de 2021, conforme noticiou a Amazônia Real. Segundo o relatório da Hutukara, familiares ficaram “tão devastados que abandonaram a região e passaram a morar em barracos de lona à margem de um rio quase morto”.
Além das mortes de crianças, o documento também expõe estupros contra adolescentes, “casamentos arranjados” em troca de comida e vulnerabilidade por desnutrição e malária as quais estão submetidas as crianças Yanomami.
“O governo federal está sendo muito negligente com toda essa situação, não está fazendo nada diante de mortes e invasões. Parece que o Bolsonaro está gostando muito do sofrimento do povo Yanomami, parece que ele está alegre com essas mortes dos Yanomami”, criticou Júnior Hekurari.
Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estejam atuando livre e impunemente dentro da Terra Indígena Yanomami, um território cada vez mais dominado pelo crime organizado. O rastro de destruição e mortes tem se acelerado nos últimos anos, no que pode se chamar de “quarta grande corrida do ouro ilegal”, agora com a presença da facção criminosa PCC em Roraima. As mortes de indígenas e a devastação da floresta são causadas por ações diretas e indiretas dos garimpeiros, conforme denunciou a Amazônia Real, em parceria com a Repórter Brasil, na série Ouro do Sangue Yanomami, que mostrou, em junho do ano passado, como funciona a cadeia de exploração ilegal do ouro, que já dura quase quatro décadas.
A agência realiza, desde a sua fundação, uma cobertura sistemática da presença do garimpo em terras indígenas e, em particular, dos Yanomami. Mulheres e crianças têm sido as principais vítimas. Em setembro de 2021, a reportagem mostrou que a população padecia, por falta de assistência médica, de doenças facilmente curáveis como diarreia, verminoses, leishmaniose, pneumonia, tuberculose e malária. Em documento produzido pelas lideranças, mais de 13 crianças morreram nos anos de 2020 e 2021 de diarreia e pneumonia. Estudo mostrou que as crianças Yanomami já nascem com grave e crônico déficit de estatura.
Mesmo depois de operações de combate ao garimpo ilegal, como a Operação Omama, da Polícia Federal, em junho de 2021, relatos indicam que os conflitos com garimpeiros ilegais não cessaram um dia sequer. Depois da publicação da série de reportagens Ouro do Sangue Yanomami, o Condisi-YY visitou aldeias e denunciou que agentes de saúde trocavam vacinas contra a Covid-19 por algumas gramas de ouro.
Em nota, o MPF em Roraima informou que está buscando informações sobre o caso e disse que “já acionou a Justiça e se reúne rotineiramente com instituições envolvidas na proteção do território indígena para que se concretizem medidas de combate sistêmico ao garimpo”.
O MPF diz que “entre essas medidas, estão a retomada de operações de fiscalização, construção de bases de proteção etnoambiental e mudanças nos procedimentos adotados por órgãos fiscalizadores”.
Após a publicação dessa matéria, a Funai enviou nota informando suas atividades no território, relatando de forma genérica as ações dentro da TI Yanomami. Sobre o episódio do estupro à adolescente indígena e à morte da criança, a Funai diz apenas que “acompanha o caso por meio da sua unidade descentralizada na região, em articulação com as forças de segurança, e está à disposição para colaborar com os trabalhos de proteção à comunidade”.
Matéria atualizada no dia 27 de abril para incluir resposta da Funai e do MPF
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