Nara Baré diz que estupro e morte de menina Yanomami é genocídio institucionalizado
Coiab entrou com representação na PGR pedindo abertura de inquérito para investigar o caso e punição de responsáveis
Por: Por Elaíze Farias e Leanderson Lima, da Amazônia Real
Crédito: Feprodução YouTube Coiab).
Manaus (AM) – A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) enviou nesta quarta-feira (27) à Procuradoria Geral da República (PGR) um ofício com pedido de providências para que seja instaurado um inquérito para investigar morte após estupro de uma indígena de 12 anos e o desaparecimento de bebê de três anos ocorrido na última segunda-feira (25) na Terra Indígena Yanomami. A Polícia Federal informou à imprensa que abriu inquérito para investigar os crimes.
De acordo com denúncias do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari, a menina foi morta após ataque de garimpeiros à aldeia Aracaçá, na região de Waikás, área extremamente impactada pela exploração de garimpo ilegal. A adolescente e a criança foram levadas pelos garimpeiros junto com uma mulher de 28 anos. A mulher, que conseguiu escapar, é tia da garota e mãe do bebê desaparecido no rio.
A Coiab pede que a Polícia Federal, a Força Nacional, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informem que medidas específicas estão sendo implementadas para proteger os Yanomami. A organização também quer que agentes públicos sejam responsabilizados pelo descumprimento da decisão judicial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de 25 de maio de 2021, que determinou a adoção de medidas de proteção aos povos Munduruku e Yanomami. A reportagem apurou que a PF abriu inquérito do caso.
A coordenadora da Coiab, Nara Baré, disse à Amazônia Real que o ataque às Yanomami na última segunda-feira é representativo da política “genocida” do governo de Jair Bolsonaro (PL) contra os povos indígenas. “É alarmante a fomentação do presidente da república para que os territórios indígenas sejam invadidos. O presidente só fica rindo. Ele esteve visitando o garimpo. O que nos causa indignação não é apenas a omissão dele e do Estado brasileiro, mas a frieza de banalizar situações como essa, de normalizar o genocídio”, disse ela à reportagem.
Nara Baré destacou que mesmo com as organizações e lideranças denunciando sucessivamente as violações, o Estado brasileiro não se sente envergonhado e não faz nada.
“As violações só aumentam. Nossas crianças e nossas mulheres estão sendo estupradas, assassinadas. Este caso da menina de 12 anos é homicídio e os criminosos têm que ser punidos. Até quando as autoridades vão continuar de braços cruzados? E estou falando do governo, do STF, da Funai. O genocídio contra os povos indígenas está institucionalizado”, disse ela.
Emocionada e revoltada, Nara Baré afirmou que, como mãe, mulher e indígena, é muito difícil tomar conhecimento como este caso da menina e da criança Yanomami. “Até quando vamos continuar gritando, dando nossa vida pelos nossos territórios e os órgãos competentes não fazerem nada?”, questionou.
O advogado Tito Menezes, do povo Sateré-Mawé, disse à Amazônia Real, que a representação enviada à PGR é o primeiro ato cobrando medidas mais duras contra ataques aos indígens e aos Yanomami, mas que os assessores jurídicos da Coiab vão elaborar uma peça com mais detalhes para enviar para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).
“O primeiro encaminhamento já foi protocolado na subprocuradoria geral da República. Hoje foi protocolado esse ofício onde pedimos providências, especialmente a abertura de inquérito para investigar o caso e identificar os autores na forma da Lei”, disse o advogado da Coiab.
A organização indígena diz no ofício que em maio do ano passado, o STF determinou que a União “adotasse, de forma imediata, todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam as TIs – Terras Indígenas Yanomami e Munduruku”, o que na prática, não aconteceu, deixando os povos indígenas em situação de vulnerabilidade.
Na nota, a Coiab enfatiza que existe uma sentença judicial determinando a reabertura das três Bases de Proteção Etnoambiental na região, que teria sido apenas parcialmente cumprida, com a reabertura de uma delas. As Bases são postos de vigilância e proteção de indígenas isolados.
Citando a cobrança da CIDH, a Coiab lembrou que “as informações apresentadas pelo Estado são generalistas e programáticas, não permitindo ver as ações implementadas diretamente à população beneficiária (Yanomami). A Coiab diz ainda que “o Governo Federal “não toma providências no sentido de proteger as terras indígenas e suas comunidades, mas sim, exterminá-las”.
Na tarde desta quarta-feira, a Hutukara Associação Yanomami, que tratou o caso do estupro e morte da menina como suspeito, informou em nota “que está apurando as informações e que, se confirmado, ele não é um caso isolado”. Segundo a Hutukara, episódios de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres Yanomami praticadas por garimpeiros invasores já foram registrados em outras regiões e foram publicados no relatório Yanomami Sob Ataque, lançado no último dia 11.
“Mesmo com toda a violência, a Base de Proteção Etnoambiental (Bape) da Funai, que deveria proteger o acesso ao rio Uraricoera ainda não foi reativada e o garimpo continua atuando livremente. Essas e outras graves violações aos direitos dos povos indígenas causadas pelo garimpo ilegal em suas terras há anos vêm sendo denunciadas ao poder público pela Hutukara Associação Yanomami”, diz a Hutukara.
A Amazônia Real apurou que o procurador da República, Alisson Marugal, foi até à comunidade Aracaçá nesta quarta-feira, junto com a Polícia Federal, e o presidente do Condisi. Até o momento, a única informação passada pelo Ministério Público Federal em Roraima é uma nota dizendo que o órgão busca apuração do caso junto às instituições competentes e que “situações como essa são consequência cada vez mais frequente do garimpo ilegal em terras indígenas em Roraima”.
A assessoria do MPF disse que o órgão já acionou a Justiça e se reúne rotineiramente com instituições envolvidas na proteção do território indígena para que se concretizem medidas de combate sistêmico ao garimpo.
Mais repúdio
Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Roraima (Fórum Estadual DCA-RR), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Roraima (CEDCAR), Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Roraima (SINJOPER), Associação dos Estudantes de Roraima (ASSOER), Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Roraima (OAB-RR), Associação Grupo de Mães Anjos de Luz, Conselho Regional de Psicologia (CRP-RR), Seção Sindical dos Docentes da UFRR (SESDUF-RR), Lar Fabiano de Cristo -Unidade Casa de Timóteo também condenaram os atos de violência extrema nos territórios indígenas.
“O fato que tem sido amplamente divulgado nessas 24 horas nos jornais e sites, da ocorrência de estupro e morte de uma menina indígena de 12 anos na Comunidade Aracaçá, é um ato criminoso que atenta contra à vida e à liberdade e favorece à exploração, à violência, à crueldade e à opressão contra as crianças, adolescentes e jovens”, diz um dos trechos da nota.
As organizações da sociedade civil cobraram uma posição mais firme de órgãos como Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal do Estado de Roraima e da Polícia Federal em Roraima.
No documento, as entidades pedem “a investigação imediata dessa barbárie amplamente divulgada, inclusive na imprensa internacional, ocorrida diante da atividade de garimpagem ilegal, uma vez que em Roraima não existe garimpo legal”, completa a nota, lembrando que o crime contra as crianças e adolescentes afronta os direitos consolidados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n° 8.069/90). “Não pode haver silêncio oprimido pelas barbáries cometidas contra nossas crianças e adolescentes. São casos sem o conhecimento da sociedade em geral que fazem parte da nossa realidade”, finaliza.
Em nota divulgada na manhã quarta, a Funai disse apenas que “acompanha o caso por meio da sua unidade descentralizada na região, em articulação com as forças de segurança, e está à disposição para colaborar com os trabalhos de proteção à comunidade”.
Na nota, a Funai diz que realiza atividades permanentes por meio de suas bases A Funai realiza atividades permanentes na região por meio das suas Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) localizadas na Terra Indígena Yanomami. A área conta com as Bapes Serra da Estrutura, Walo Pali, Xexena e Ajarani. O órgão não informou que a Bape do rio Uraricoera está desativada e não disse o motivo.
Contaminação por mercúrio
A comunidade Aracaçá, que foi alvo do ataque dos garimpeiros, fica na TI Yanomami, que completará 30 anos de sua demarcação no próximo dia 25 de maio. O território apresentou o maior índice de contaminação por mercúrio, em estudo científico realizado pela Fiocruz em 2014/15 em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA).
O estudo apontou à época que 92% do total das amostras dos moradores da aldeia apresentavam índices elevadíssimos de contaminação. Os indígenas enfrentam ainda o risco de desaparecerem devido a forte desestruturação social provocada pela influência dos garimpeiros na região, uma vez que eles que levam bebidas alcoólicas e um “pó branco” para viciar os indígenas, de acordo com relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY).
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