Organizações com atuação na bacia do Rio Negro discutem medidas para proteção ao território
Diante da ameaça de seus territórios por garimpeiros, madeireiros e posseiros, indígenas e organizações indigenistas com atuação na bacia do Rio Negro, discutiram possíveis soluções para fortalecer a proteção do território e dos mais de 45 povos indígenas que habitam a região.
Uma das medidas abordadas durante reunião online realizada no mês de junho foi a judicialização da troca das Coordenações Técnicas Locais (CTL) com base na aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta e ao consentimento, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos.
De acordo com o procurador da República Fernando Merloto Soave, já existem decisões judiciais permitindo que os povos indígenas sejam consultados para a escolha de seus coordenadores, desde que o candidato tenha a comprovação de capacidade técnica mínima.
“É preciso construir um protocolo de segurança contra as violações que vêm de fora quanto internamente. Há modelos bem sucedidos de povos originários nos EUA e Colômbia, por exemplo. Aqui temos um bom caminho trilhado na região do Marau, em Maués, onde introduziram uma barreira e estão tocando junto com o CIMI e fazendo controle, que deve ser formalizada por meio de um Termo de Cooperação”, afirmou.
A promotora de Justiça do Ministério Público Estadual do Amazonas (MPE/AM), Karla Cristina da Silva Sousa lembrou que o uso indiscriminado de bebida alcoólica também é um problema identificado dentro e fora das comunidades, inclusive nas cidades. Nesse sentido, a falta de estrutura por parte da Funai para abrigar os indígenas que precisam resolver questões civis ou receber auxílio no município, contribui para que estes sejam ainda mais marginalizados, ficando à mercê de práticas de violência e consumo de bebida.
“Já tentamos o diálogo com a coordenação local da Funai reiteradas vezes, mas não se percebe o empenho nas ações que deveriam ser, no mínimo, assistencialistas. Tenho testemunhado isso”, explicou. A promotora ressaltou ainda a importância do alinhamento das demandas prioritárias entre o MPE, MPF e Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM).
Na avaliação do coordenador-geral da Associação Serviço e Cooperação com Povo Yanomami (Secoya), Silvio Cavuscens, os problemas enfrentados são agravados por uma condição de uma ausência completa dos órgãos federais na região como ICMBIO, Ibama, Funa). “A reestruturação da Funai a partir de 2017 fez com que se criasse um vazio da presença federal nessas regiões e percebemos um aumento de violência, entre outros tantos problemas. A estrutura pensada através de CTLs, de substituir os postos da Funai e que de certa forma coibiam abusos e tinham um controle de quem entrava na área, dava um certo respaldo, mas a eliminação desses postos teve um efeito muito negativo, principalmente porque as CTLs não se estruturaram do ponto de vista de recursos humanos, de recursos, planejamento”, explicou.
O indígena João Neves, do povo Galibi-Marworno (AP), assessor de campo da Secoya, lembrou que ausência da atuação de órgãos públicos junto aos indígenas é agravada pela omissão de instituições estaduais e municipais que “sempre jogam as responsabilidade para os indígenas, associações e órgãos federais”. “No entanto, o território está localizado no município; além disso, indígena é cidadão, ele vota, ele tem direito a usufruir do espaço seja ele qual for”, explicou.
A interferência política dentro da Funai foi outro problema levantado. De acordo com João Barroso, da Associação Indígena de Barcelos (Asiba), Agentes Indígenas de Saúde (AISsão frequentemente demitidos sem razão, o que compromete o trabalho, principalmente em regiões onde há focos de malária. “Onde tinha microscopista foi retirado e o agente de saúde que fazia o mesmo papel foi tirado por questões políticas. Isso atrapalha muito o trabalho e interfere diretamente na saúde indígena”.
Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), concordou sobre a importância da independência da segurança nos territórios e da troca dos coordenadores que não trabalham em prol dos indígenas. “Ter a presença do órgão federal na região faz diferença, por mais que esteja passando pelo processo de sucateamento. Quando ela trabalhar em parceria com os povos, vamos ter retorno”, disse.
Subdistrito Yanomami
A criação de um subdistrito de saúde Yanomami no Amazonas, vinculado ao Distrito de Saúde Indígena (DSEI) sediado em Roraima também foi pauta da reunião. O fato reduziria tempo, distância, além de economizar recursos que poderiam ser aplicados no beneficiamento direto da Saúde da população Yanomami, segundo o coordenador-geral da Secoya, Silvio Cavuscens.
Atualmente, toda a assistência, vacina, material enviado às comunidades no Amazonas, vêm de Roraima, o que aumenta o custo logístico e dificulta atendimentos de urgência, já que a remoção de indígenas é feita a partir dessa base. A terra Yanomami é a maior do país, com 96.650 km², abragendo 8 municípios nos estados de Roraima e Amazonas na fronteira com a Venezuela.
“Já existe figura de subdistrito dentro da estrutura da Sesai, funciona na região Sul; só precisaríamos adequá-la aqui. No AM não temos nenhum pólo base Yanomami estruturado: não tem equipe multidisciplinar, equipamentos, rádio para comunicação, pessoas. Seria questão de pensar esse estrutura organizacional no AM, mas mantendo o vínculo de um mesmo povo, por que trata-se do mesmo território, mesma governança e articulação com atores governamentais”, explicou.
O procurador da República Fernando Merloto Soave considerou a proposta factível por tratar-se de um rearranjo administrativo, sem a necessidade de recursos adicionais.
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