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Petição FAMDDI para CPI do Senado

EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS

Manaus, 20 de maio de 2021.


EXCELENTÍSSIMO SENHOR OMAR JOSÉ ABDEL AZIZ

PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO SENADO - CPI DA PANDEMIA


C/c aos Excelentíssimos Senhores

Senador RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES

Vice-Presidente da CPI

Senador JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS

Relator da CPI

Senador HUMBERTO SÉRGIO COSTA LIMA

Membro da CPI

Senador CARLOS EDUARDO DE SOUZA BRAGA

Membro da CPI



Senhor Presidente,


A FRENTE AMAZÔNICA DE MOBILIZAÇÃO EM DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS (FAMDDI) realizou nos dias 29 e 30 de abril de 2021 o Encontro “Violações dos direitos indígenas e genocídio no Amazonas” com a participação de lideranças e advogados indígenas, representantes de organizações indigenistas e de direitos humanos, parlamentares e juristas. Diante da gravidade das situações apresentadas, relativas a Covid-19 nos povos indígenas no Amazonas, por intermédio de depoimentos de lideranças indígenas e de aliados da causa indígena, a FAMDDI resolveu levar ao conhecimento desta importantíssima CPI um conjunto de casos para que seja investigada a responsabilidade do governo federal, por ação ou omissão, para a disseminação da doença entre os indígenas e pelo elevado número de mortes ocorridas nestes povos. De acordo com os dados do levantamento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgados, através do seu informativo de 18 de maio de 2021, foram registrados 38.566 casos confirmados, 557 casos suspeitos e 932 falecimentos de indígenas pela Covid-19 na região amazônica, sendo que 316 dos óbitos, ou seja 1/3, ocorreu no estado do Amazonas.


Assim sendo, a FAMDDI encaminha a Vossas Excelências, para que sejam objeto de investigação, os casos apresentados a seguir, resultado dos depoimentos realizados no encontro, complementados por informações das entidades que compõe esta Frente.


1. POVO INDÍGENA YANOMAMI. MORTE E ADOECIMENTO POR COVID-19. DISTRIBUIÇÃO DE CLOROQUINA. INVASÕES SISTEMÁTICAS DE GARIMPEIROS EM SUAS TERRAS.


Uma liderança da Associação Yanomami Kurikama da região do rio Negro/AM presente no encontro em seu depoimento destacou: “A nossa vida quer respirar bem, sem ser influenciada. A nossa saúde não está bem. Tem muito problema. A SESAI tá devagar. Tá difícil agora. Por isso tá cheio de malária. Todos na comunidade estão doentes...O que precisamos? Precisamos melhoria na nossa saúde, saúde de todos, não só os Yanomami. Nossa raiz não está respirando bem. Queremos apoio. Hoje temos Covid 19. Chegou na área Yanomami. Já pegamos... já morremos...Estou triste. Precisamos acabar Covid 19. Vamos vacinar! Os adultos, já tomamos. E as crianças?”


Denunciou também a invasão da Terra Indígena Yanomami pelos garimpeiros, manifestando preocupação com sua chegada também na parte da referida TI localizada no Amazonas: “Nós não queremos deixar construir o garimpo dentro da área Yanomami. Não queremos! Nosso território tá homologado. Os órgãos podiam respeitar nossos direitos. Reconhecer nossa realidade, respeitando nossas crenças. Tem que fazer consulta. Queremos que consulte os donos da terra. Nós decidimos. Quem manda somos nós, donos do território”.


O primeiro Yanomami vítima da Covid-19 foi um jovem de 15 anos, falecido em abril de 2020, em Boa Vista, Roraima. Oito meses depois, em novembro de 2020, o Relatório Xawara: rastros da Covid-19 na Terra Indígena Yanomami (TIY) e a omissão do Estado2, elaborado pela Rede Pró-Yanomami e Ye'kwana e pelo Fórum de Lideranças da TIY, mostra o total descontrole da doença no território indígena. Segundo o relatório, entre agosto e outubro, o número de casos de Covid saltou de 335 para 1.202, sendo que até aquele momento haviam ocorrido 23 óbitos pela doença. Os casos de Covid-19 podem ser muito maiores, visto que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), até o momento em que o citado relatório foi elaborado, havia testado apenas 1.270 Yamomami de uma população de 26,7 mil e que os testes rápidos utilizados têm eficácia comprovada de apenas de 55%.


O relatório aponta ainda que a Covid-19 se espalhou rapidamente na TI Yanomami, onde inclusive existem registros de vários grupos indígenas isolados, devido a invasão de garimpeiros ilegais (estimados em aproximadamente 20mil pessoas), a não testagem de todos os funcionários públicos que entram na área, o trânsito dos indígenas entre as cidades e suas comunidades e um Plano de Contingência do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Disei) ineficiente, com graves falhas na sua elaboração.


Outro fato grave que colocou em risco a vida de indígenas Yanomami, foi a ida, entre os dias 29 de junho e 01 de julho de 2020, em plena pandemia, de uma grande comitiva interministerial para a terra indígena, coordenada pelo Ministério da Defesa, Ministério da Saúde e Funai, com a presença do então ministro da Defesa general Fernando Azevedo e Silva e do coordenador da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), coronel da reserva Robson Santos Silva e acompanhada de aproximadamente 20 jornalistas, sem consultar as lideranças indígenas das comunidades visitadas, levando grande quantidade de cloroquina para distribuir para as equipes de saúde e para o DISEI Yanomami.


Em nota divulgada no dia 02 de julho, o MPF/RR informou que abriu um procedimento com o objetivo de: “apurar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas, o ingresso nos territórios sem prévia consulta de seus povos – em desrespeito à decisão de isolamento de muitas de suas comunidades -, a violação das regras de distanciamento social, a presença expressiva de meios de comunicação em contato com os indígenas e a eficiência de operação com vultoso gasto de recursos públicos”.


A invasão massiva de garimpeiros na TI Yanomami significa um risco constante à vida dos indígenas, seja pela transmissão de doenças como a Covid-19 e a malária, seja devido a conflitos violentos. Recentemente foi amplamente divulgado pela imprensa, inclusive com imagens, o ataque de garimpeiros, seguido de intenso tiroteio, à comunidade indígena do Palimiu, na região do rio Uraricoera, ocorrido no dia 10 de maio de 20214. No dia seguinte agentes da Polícia Federal (PF), que se deslocaram ao local para investigar os fatos, foram atacadas a tiros por garimpeiros. Em nota, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) denunciou que no dia 12 de maio, dois dias depois do ataque à comunidade Palimiu, duas crianças Yanomami, uma de 01 ano e outra de 05 anos foram encontradas boiando no rio. Teriam se afogado na tentativa de fugir do tiroteio.


Existe a suspeita da participação de traficantes do PCC, facção criminosa criada em São Paulo e que estaria operando nos garimpos ilegais no interior da TI Yanomami.


Os conflitos violentos entre os Yanomami com os garimpeiros ilegais são frequentes. A HAY já havia relatado ao MPF, que no dia 27 de abril (13 dias antes do ataque em Palimiú), um outro conflito na mesma região, com a troca de tiros entre Yanomami e garimpeiros. A organização indígena vem denunciado seguidamente conflitos semelhantes, a exemplo do ocorrido no dia 25 de fevereiro de 2021, na comunidade Helepi, também na região do Rio Uraricoera, que resultou na morte de um garimpeiro e um indígena gravemente ferido a tiro e de um outro ataque, em junho de 2020,em que dois Yanomami foram assassinados por garimpeiros na região do Parima.


2. POVO INDÍGENA JUMA. COVID-19 MATA ARUKÁ, O ÚLTIMO ANCIÃO


Relato apresentado por membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI/Regional Norte I) - No dia 17 de fevereiro de 2021 faleceu Aruká, último ancião do povo Juma, vítima da Covid-19 que o alcançou no interior da Terra Indígena (TI) Juma, localizada na região do Rio Purus, no município de Canutama/AM. Foi contaminado na própria aldeia pois não foi feita “barreira sanitária” que poderia ter impedido a entrada do vírus. Morreu assim o último Juma que presenciou o massacre de 1964, por negligência do estado. Sua morte traz a memória o abominável processo de genocídio desse povo.


Aruká era um dos 09 sobreviventes do massacre do povo Juma acontecido em 1964, quando mais de 60 indígenas foram assassinados a mando de comerciantes do município de Tapauá/AM interessados na exploração da castanha na terra indígena. Os assassinos ficaram impunes. Sequer foram levados a julgamento. A estimativa da população Juma no século XVIII era de aproximadamente 15 mil pessoas.


Em novembro de 1998, quando os sobreviventes Juma estavam reduzidos a apenas 06 pessoas - sendo um casal de idosos, um homem de meia idade (Aruká) e suas três filhas com idade entre 15 a 20 anos aproximadamente - foram transferidos compulsoriamente, pela Funai, para a Aldeia Alto Jamari, na TI Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Uma semana depois os dois idosos, acometidos de profunda tristeza devido a transferência forçada, faleceram. Somente 14 anos depois, por força de uma decisão judicial, em ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), Aruká, suas três filhas casadas com indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e seus netos puderam retornar a sua terra.


Porém, há uma esperança de que existam outros sobreviventes Juma do massacre de 1964. Estudos preliminares indicam que ainda existe um grupo de indígenas isolados na região do território tradicional desse povo. Este grupo corre sérios riscos pela construção de uma estrada sem licenciamento, saindo da beira do Rio Purus em direção a BR 319, e, que passa a poucos quilômetros da área onde foram encontrados vestígios de sua presença.


3. ÍNDIOS AUTÔNOMOS, LIVRES OU ISOLADOS. GRAVES AMEAÇAS DIANTE DA PROPAGAÇÃO DA COVID-19 EM TODO VALE DO JAVARI


Relato apresentado por liderança indígena do povo Kanamari - A terra indígena Vale do Javari está localizada na Amazônia, na fronteira do Brasil com o Peru. O Vale do Javari é a região onde existe a maior concentração de povos isolados no mundo. Os invasores - garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores - agem com total liberdade. Eles são encorajados pelo governo federal e pela fragilização do sistema de proteção de índios isolados da Funai. A situação é ainda mais crítica com a propagação da Covid 19 em todo Vale do Javari, o que pode provocar o genocídio dos parentes isolados.


A situação é dramática também para os demais povos isolados no Brasil, com a crescente invasão de seus territórios, principalmente nas Terras Indígenas Yanomami, Guajajara, Ituna/Itaitá, Uru-Eu-Wau-Wau, Piripkura, Pirititi e Ilha do Bananal.


Segundo a Funai existem referências sobre a presença de 114 povos indígenas isolados no país, dos quais confirma somente a existência de 28. As invasões dos territórios dos povos indígenas isolados ocorrem tanto dentro de áreas protegidas – terras indígenas demarcadas e Unidades de Conservação, quanto fora delas, inclusive naquelas que tem Bases de Proteção Etnoambiental (FPEs) da Funai instaladas. Chama a atenção a falta de capacidade operacional das Frentes de Proteção EtnoAmbientais da Funai, sem recursos humanos e materiais adequados para desempenhar de maneira eficiente a fiscalização e proteção, a integridade territorial e a segurança sanitária aos povos indígenas isolados.


Diante desse cenário de pandemia, em que os invasores das terras indígenas se sentem encorajados e até respaldados pelo discurso do governo federal, associado ao notório enfraquecimento da política de proteção territorial, é extremamente grave o risco de que grupos indígenas isolados sejam exterminados, tanto por doenças como a Covid-19, assim como por massacres. As condições estão dadas para que, a exemplo do que aconteceu com o povo indígena Juma, aqui relatado, o genocídio de povos indígenas, especialmente de isolados, volte a ocorrer, nos dias atuais.


4. NEGACIONISMO DE MISSIONÁRIOS QUE PROVOCAM RECUSA DE INDÍGENAS À VACINAÇÃO


Relato apresentado por liderança do Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas (FOREEIA) - Não são poucos os casos de interferências diretas de alguns missionários que tentam fazer manipulação das mentes indígenas, principalmente aqueles mais distantes, com poucas informações sobre a sociedade envolvente. Notícias chegam até nós de todas as regiões do estado do Amazonas. Há relatos sobre comunidades que resistem à vacinação, por influência de religiosos fundamentalistas, com a utilização de argumentos falsos como: a vacina traz o chip da besta, a pandemia veio pela vontade de Deus e só ele pode curar, a vacina mata em vez de curar. É uma violência que mata.


No Médio Rio Purus, num caso relativo ao povo Jamamadi, amplamente divulgado na imprensa, missionários estão convencendo indígenas a não se vacinarem, levando o próprio povo a resistir à vacinação, impedindo inclusive que as equipes de vacinação entrassem na aldeia7. Na mesma região, no âmbito do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/Médio Purus), constatou-se um altíssimo índice de negação a vacina, notadamente nos Polos Bases Missão, Crispim, Chico Camilo e São Pedro, onde as comunidades indígenas têm maior contato com igrejas orientadas por um viés mais fundamentalista.


Na TI Vale do Javari, o coordenador-geral da UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), Paulo Kenampa Marubo, em matéria publicada pela Amazônia Real, no dia 05 de fevereiro de 2021, aponta a resistência a vacina em uma aldeia indígena localizada na cabeceira do rio Ituí, próximo à divisa com o Acre: “Foi dito que eles não iriam tomar [a vacina]. A gente tentou explicar, mas eles não estão acreditando. Só acreditam no que está sendo dito pelos missionários. Dizem que essa vacina veio para acabar com a sociedade, tanto a não indígena como a indígena. Essas informações erradas ficam na cabeça dos nossos parentes, principalmente dos nossos anciãos”, conta ele, em entrevista à reportagem8. Segundo informações de lideranças indígenas da região, a resistência a vacina também aconteceu em diversas outras comunidades da TI Vale do Javari, pelo mesmo motivo.


“É uma guerra de cosmovisões... de quem tem o direito de ser humano e de ter vida com dignidade. O fundamentalismo religioso tem um discurso alinhado com o atual governo. Faz parte do mesmo projeto político: da necropolítica. Ser contra a vacina é ser a favor da morte. E a missão de um missionário deveria ser defender a vida – o amor ao próximo. A posição contra a vacina não pode ter respaldo do ponto de vista religioso; só pode ser explicado do ponto de vista político. Há um projeto político de cunho fascista de eliminação de grupos considerados como estorvo”.


5. EXCLUSÃO E DESCASO DO GOVERNO FEDERAL COM INDÍGENAS RESIDENTES EM ÁREAS URBANAS E TERRAS INDÍGENAS NÃO DEMARCADAS CAUSANDO CENTENAS DE MORTES


Relato apresentado por uma liderança do Povo Witoto do Alto Solimões destacando que os governos do município de Manaus, do estado do Amazonas e do governo federal foram totalmente negligentes com a falta de atenção aos povos indígenas. O Parque das Tribos, que é o primeiro bairro indígena de Manaus e outras 53 comunidades indígenas que vivem em contexto de cidade foram as primeiras extremamente afetadas pela Covid-19, mas o governo foi extremamente negligente com a falta de atendimento médico e assistência nessas comunidades durante a pandemia. Dentro das comunidades as ações de prevenções e cuidados partiram das próprias lideranças e comunitários para salvar a vida dos parentes. Quando necessitaram do município de Manaus para a remoção dos parentes infectados, foi negado o direcionamento de ambulância para atendimento das comunidades indígenas. Ao se identificarem como indígenas, os/as atendentes respondiam que: “quem cuida da saúde dos povos indígenas é a Sesai e que não teriam como disponibilizar a ambulância do SAMU para a remoção dos indígenas nas comunidades”. E quando procuravam a Sesai e o Disei diziam que tinham que procurar o SUS, o município e o Estado, pois a Sesai e o Disei só atendiam indígenas das aldeias.


A jovem liderança Witoto relatou também outra grande violência dirigida a ela, mas que acredita que não seja pessoal, mas sim uma violência coletiva que os povos indígenas sofrem há muito tempo. Foi a primeira mulher indígena vacinada no estado do Amazonas por ser profissional de saúde, o que repercutiu positivamente, mas posteriormente, pelo fato de ser vacinada, foi atacada por muitos homens nas redes sociais, mas particularmente na cidade de Manaus, por um jornalista local privilegiado por ser dono de canais de rádio e televisão, Ronaldo Tiradentes, que fez montagem das suas fotos em seu cotidiano, questionando a sua identidade por estar na cidade, a rotulando de índia fake na cidade e que não deveria ter sido vacinada. Várias mulheres indígenas no Brasil que foram vacinadas sofreram esse tipo de violência. “Essa é uma violência que nós sofremos cotidianamente, temos que lidar com essas violências reproduzidas pela sociedade e pelo Estado. Os ataques e reproduções de violências por essas pessoas são muito cruéis conosco porque fragiliza nossas lutas e nossas identidades. Vivemos numa invisibilidade no estado do Amazonas, que nega veementemente nossos direitos, e nos mata, realmente nos mata, porque há um processo histórico de violências para com os nossos povos e nós não estamos somente nas nossas aldeias. O Estado do Amazonas precisa fazer esse reconhecimento das nossas identidades, independente dos espaços onde estejamos. Além disso, pelo não reconhecimento dos nossos territórios. Aqui no Parque das Tribos não temos escola, posto de saúde porque nossa terra não tem documento de demarcação. Estamos em lutas por uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para a nossa comunidade, mas esse estado nega porque não temos documentação. E por que o Estado não reconhece isso em documento para que os direitos sejam garantidos? Não, mas ele reproduz essa negação para não cumprir os nossos direitos previstos na Constituição Federal que é a garantia da saúde, de vida e dos territórios dos nossos povos.


Uma liderança Sateré-Mawé da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas de Manaus e Entorno - COPIME relatou outras violações de direitos com raízes colonialistas: a divisão entre indígenas aldeados e indígenas não aldeados ou em contexto urbano não foi criada por nós, ela foi criada por um sistema que nos divide, nos fragmenta. Hoje a pandemia nos traz profundas reflexões e chama a atenção nacional, internacional até porque nós estamos no epicentro da COVID aqui na região norte. Muitos de nossos parentes morreram. Aqui no Amazonas nós temos uma dversidade, temos os indígenas em isolamento voluntário, os aldeados, os de recentes contatos, e nós que estamos em Manaus e em outras cidades como São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga e outros municípios. No ano passado o governo do estado do Amazonas criou o hospital de campanha aqui em Manaus, hospital de campanha que foi amplamente divulgado que atenderia indígenas aldeados e os indígenas aqui da cidade e pasmem, nenhum indígena da cidade de Manaus conseguiu ultrapassar a porta de entrada que dava acesso à ala indígena. Então porque se fez uma propaganda, usou-se a questão indígena, e os indígenas não foram atendidos?. O problema da vacinação para indígenas residentes em centros urbanos é uma luta antiga, não é de hoje. A quanto tempo foram criadas as campanhas nacionais de imunização, as campanhas nacionais contra a gripe. Tem mais de 10 anos que foram criadas essas campanhas. Nenhum indígena que está na cidade teve acesso à essa imunização. Isso é revoltante, nos deixa indignados que há um direito, que é um direito universal, que é um direito humano, nós tenhamos que estar brigando nas instâncias judiciais para sermos vacinados. É uma vergonha, termos que brigar nesses espaços para obtermos um direito que é de todos.


A pandemia traz muitas violações, falta de acesso a segurança alimentar, que também é um fator que contribui com as mortes que aconteceram: eu me lembro que nós tínhamos uma grande preocupação se a pandemia chegasse às comunidades nossas mais distantes. Mas o que nós vimos ao longo desses tempos pandêmicos é que a nossa população indígena que está na cidade, ela está doente, a letalidade nela tem sido muito maior, talvez por uma mudança alimentar que tenha ocorrido em todos esses tempos.


Segundo dados da Fundação Vigilância Sanitária (FVS) do estado do Amazonas, até o dia 17 de maio de 2021, a cidade de Manaus já havia contabilizado 406 casos confirmados de COVID-19, 56 hospitalizações e 25 óbitos de indígenas residentes na cidade. Isso representa uma das taxas mais altas de letalidade, 6,2, entre indígenas.


Hoje nós estamos muito preocupados com as sequelas que a COVID tem deixado aos nossos parentes indígenas, descontrole da pressão arterial, do diabetes, então é preciso de fato, e se faz urgente, a vacinação para todos os povos, porque acredito que hoje estamos no mesmo barco, os indígenas, os pobres.


6. MORTE EM SÉRIE DE INDÍGENA KOKAMA PELA COVID-19


Muito emocionada, uma liderança Kokama deu início ao seu relato: “Sou do povo Kokama, da tríplice fronteira do Alto Solimões. Eu vou tentar resumir tudo. Estava falando com uma liderança que é um jovem professor que está ao meu lado, a quem eu estava dizendo que falar das minhas lideranças que já se foram é mexer na ferida novamente. Meu povo foi o povo mais atingido pela Covid-19. Fomos o primeiro povo aqui no Alto Solimões a ser contaminado. O médico estava de férias e quando voltou estava contaminado com a Covid e infectou a agente de saúde da Aldeia São José, que foi a primeira indígena infectada na aldeia. E a doença se espalhou muito rapidamente, sem controle, sem medidas de proteção e sem atenção dos governos. Assim, nosso povo continuou morrendo aqui no Alto Solimões. Hoje, já são mais 85 (estimativas dão conta de 155) Kokama mortos por Covid-19 e nessa luta continuamos denunciando o descaso tanto do governo federal quanto do governo do estado do Amazonas. Nós, aqui no Alto Solimões, estamos passando por momentos muito difíceis. Os prefeitos dos municípios se viram em mil para tentar não deixar o seu povo morrer porque a ausência do estado nos nossos municípios e nas nossas aldeias do Alto Solimões é horrível. Parece que somos só números, só estatística, contagem de mortos e de doentes. É muito difícil ver o seu povo sendo enterrado em valas, em sepultura coletiva. E ainda tem algo muito sério porque meu povo ainda é enterrado como pardo. O que é pardo? Eu e meu povo não somos pardos, somos Kokama, somos povo originário. Mesmo assim, a gente briga todo tempo para que no atestado de óbito conste como indígena Kokama. Até no último momento somos desrespeitados. Então, compartilho aqui com todos que nos ajudem nessa luta, porque não é fácil, estamos ficando mais pobres culturalmente, com as nossas lideranças, nossos anciãos, nossos professores morrendo. Em várias aldeias o meu povo foi morrendo. Hoje, estamos lutando para evitar as mortes, mesmo com toda a nossa luta, ainda são mais de 85 mortos do povo Kokama por covid-19, que para nós é uma perda muito grande. E estou falando só do povo Kokama, mesmo com todos os esforços as mortes têm sido inevitáveis. Quando descobrimos que têm parentes doentes de covid em outras aldeias tentamos chegar rápido o máximo possível e aqui no Alto Solimões não temos estradas, temos rios, não temos carro, temos pec-pec (canoa com pequeno motor).


Precisamos da ajuda e do apoio de todos no Alto Solimões, não só o povo Kokama, mas os outros povos também: Witoto, Tikuna e de todos os povos do Alto Solimões. Precisamos cuidar do nosso povo, então vamos continuar usando máscara, tomando a nossa medicina tradicional, usando álcool em gel, aquilo que você souber que pode usar pra evitar mortes nas suas aldeias, vamos fazer isso. Porque hoje resistir ao covid, resistir a esse governo tanto federal quanto do estado também é resistência. Yusurupaki”.


Assim sendo, diante de todos os depoimentos10 que comprovam o extermínio dos povos indígenas pelo Governo Federal, que utiliza o coronavírus como instrumento de sua política pública de morte, requer a FAMDDI:


  1. Recebimento da presente petição e que os fatos aqui narrados, sejam incluídos na investigação desta CPI da Pandemia.

  2. Que a investigação seja abrangente para envolver todos os agentes de Estado que deram causa ao novo extermínio dos povos indígenas no Estado do Amazonas e em todo Brasil, no âmbito da União em particular o Presidente da República, o Ministro da Saúde, sem prejuízo dos demais;

  3. Apuradas as responsabilidades sejam encaminhadas para os órgãos competentes a fim de que sejam promovidas as ações cabíveis para responsabilização criminal e administrativa dos agentes.

Para maiores esclarecimentos nos colocamos à disposição pelo e-mail famddiamazonas@gmail.com.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Manaus, 20 de maio de 2021.

FAMDDI




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