Piloto que sobreviveu 36 dias na floresta levava carga ilícita para garimpo ilegal, denuncia MPF
Antônio Sena ficou famoso após passar mais de um mês perdido na Amazônia em consequência da queda do avião que pilotava com destino a um garimpo ilegal no oeste do Pará.
Publicado em Info Amazônia | por Julia Dolce
O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia contra o piloto comercial Antônio Araújo de Sena por colocar vidas e bens privados em risco ao pilotar uma aeronave sem condições de voo, transportando carga ilícita para um garimpo ilegal. Se condenado, Sena pode pegar uma pena de quatro a doze anos de detenção.
Em 2021, Sena se tornou notícia internacional ao sobreviver a um desastre aéreo e ficar 36 dias desaparecido em uma parte remota da floresta Amazônica. Após a queda, o piloto deu entrevistas, palestras, escreveu um livro e ganhou dezenas de milhares de seguidores em redes sociais ao contar sobre sua jornada na floresta.
Em 28 de janeiro do ano passado, o piloto decolou de uma pista no município paraense de Alenquer para transportar mantimentos e diesel para a manutenção do garimpo ilegal Treze de Maio, na Reserva Biológica Maicuru — localizada entre os rios Maicuru e Jari, na fronteira entre o Pará e Amapá. De acordo com o MPF, além da falta de registro, há duas investigações sigilosas relativas a crimes cometidos em decorrência das atividades do garimpo Treze de Maio.
Sena contou, em depoimento, que foi contratado por R$300/hora pelo garimpeiro Edivaldo Paiva Carvalho para transportar aproximadamente 600 litros de óleo diesel e alimentos que comporiam as refeições no garimpo. Carvalho também é denunciado no inquérito do MPF, bem como João Batista Ribeiro, conhecido como “Tuchaua”, apontado como dono do garimpo Treze de Maio.
A denúncia do MPF destaca que o voo estava em desacordo com orientações e autorizações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) por ter como destinação uma pista não homologada pelo órgão e por ter decolado com 135 kg de sobrecarga. Um laudo pericial realizado após o resgate de Sena também constatou que a aeronave tinha um “sistema elétrico inoperante e uma condição aerodinâmica degradada”.
Assinada em 15 de dezembro, a denúncia aponta que ao realizar o transporte de óleo diesel de forma não autorizada pela ANAC, somado ao fato de que o avião realizaria o pouso em pista não homologada em um garimpo ilegal, por si só configuram delito, “visto que essa conduta, de fato, coloca em risco a incolumidade pública e a vida de número indeterminado de pessoas, na medida em que, com a inobservância das regras de segurança para o referido voo, poderia causar um sinistro maior do que aquele de fato observado à espécie”, crime imputado no artigo 261, parágrafo 1º do Código Penal.
A Polícia Federal investiga ainda o avião Cessna 210, pilotado por Sena, em um inquérito que aponta que a aeronave seria usada por uma organização criminosa no tráfico de armas e de drogas.
CELEBRIDADE
Após a queda do avião, Sena sobreviveu por mais de um mês isolado na floresta. As buscas pelo piloto cessaram 10 dias após seu desaparecimento. No 35º dia após o acidente, Sena encontrou coletores de castanha e conseguiu entrar em contato com sua família. O piloto foi resgatado no município de Almeirim, fronteira com o estado do Amapá, em uma operação organizada pelo governo do Pará.
Com o resgate, Sena deu entrevistas para dezenas de veículos jornalísticos como The New York Times e participou de programas de diferentes emissoras e rádios, como Encontro com Fátima Bernardes, Fantástico e o The Noite, do apresentador Danilo Gentili.
Na maior parte das notícias publicadas sobre o caso, não é mencionado o fato de o piloto estar cometendo um crime ambiental.
Questionado pelo repórter Fabiano Maisonnave, em reportagem na Folha de S. Paulo, sobre ter transportado insumos para uma atividade ilegal, Antônio alegou que já havia sido sondado para trabalhar para donos de garimpos outras vezes e sempre negado, mas que acabou topando porque precisava se sustentar. “Com o preço do ouro lá em cima e a gente precisando, aceitei”. Procurado pelo InfoAmazonia, Sena não quis se pronunciar sobre a denúncia.
A narrativa da sobrevivência de Sena se sobressaiu e foi abraçada por pastores evangélicos, Sena deu testemunhos de fé em igrejas pelo Brasil. Em junho de 2021, o piloto publicou o livro “36 dias: A saga do piloto de avião que caiu na Amazônia e se reencontrou com Deus”, pela editora Buzz.
Em sua página no Instagram, atualmente com 45 mil seguidores, o piloto afirma que o livro é “mais que um manual de sobrevivência na selva” e sim um “manual de sobrevivência na vida”. “Descubra como encontrar forças para superar seus maiores desafios e seus maiores medos”, oferta o piloto. Em novembro, o livro foi traduzido e publicado na França.
Ainda em junho de 2021, o piloto deu palestra para o Comando Aéreo de Operações da Polícia Federal (PF) em Brasília. Desde seu resgate, Sena vem sendo descrito como um “amante da Amazônia”.
Em 4 de agosto de 2021, a PF e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deflagraram a Operação Poturu no garimpo Treze de Maio, que visou interromper a extração de minérios por meio da destruição dos maquinários utilizados pelos garimpeiros. Na ocasião, a PF estimou um dano ambiental na ordem de R$74,5 milhões causados por desmatamento e extração mineral em uma área de 325 hectares. A Reserva Biológica Maicuru foi criada em 2006 e integra um aglomerado de áreas protegidas que ocupam 12 milhões de hectares, representando o maior corredor de biodiversidade do mundo.
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