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"Povo Yanomami vive seu pior momento" , afirma antropóloga Hanna Limulja

Na estreia do Leituras, OP+ entrevista a antropóloga Hanna Limulja que está lançando o livro "O desejo dos outros. Uma etnografia dos sonhos Yanomami". Na publicação ela mergulha no mundo onírico dos Yanomami. Nesta conversa, Hanna reflete sobre o impacto do garimpo sobre o povo Yanomami neste momento em que se completam 30 anos da homologação das terras deste povo indígena.


Por Regina Ribeiro para O Povo

comunidade indígena no Amazonas
Crédito: Bruno Kelly/HAY

A primeira vez que Hanna Limulja entrou em terras Yanomami foi em 2008 quando trabalhou como assessora pedagógica em escolas de várias regiões do território indígena. Em 2010, para chegar ao Pya ú, uma das comunidades que precisava visitar, a viagem começa com o trecho da travessia de barco pelo rio Toototopi, próximo da fronteira do Brasil com a Venezuela.


No entanto, as chuvas intensas elevaram o nível do rio, dobraram a vegetação das margens e impediram a aproximação do barco que a conduzia junto com a bagagem, além do Yanomami que a levaria à região. O jeito foi descer da embarcação, atravessar parte do rio e, depois, seguir quatro horas de caminhada floresta adentro.

A experiência ficou marcada. Após andar horas pela floresta, “do nada, você avista uma maloca gigante”, relembra. "Eu guardo essa cena porque foi incrível". Havia chegado à maloca dos Yanomami do Pya ú, povo a quem, talvez, esteja para sempre ligada. “Pensei que se um dia voltasse a campo para estudar, seria naquele lugar”.


Alguns anos mais tarde – entre 2015 e 2017 –, cumpre a promessa. Desta vez, a antropóloga Hanna Limulja, voltava à comunidade do Pya ú, – atualmente chamada Kawani –, para investigar os sonhos dos Yanomami.

O resultado do trabalho está no livro “O desejo dos outros. Uma etnografia dos sonhos Yanomami” (Ubu,22), que Hanna está lançando. A obra também comemora os 30 anos de homologação do território indígena dos Yanomami, em 1992, e quer também cumprir papel de denúncia e reflexão.


Embora a obra não aborde o drama do garimpo que voltou com força àquele território, Hanna afirma que “este é o pior momento que o povo Yanomami se encontra". Segundo Hanna, as novas estruturas e esquemas de comunicação por meio da internet permitem que “verdadeiras cidades de garimpeiros existam dentro das terras Yanomami”, e que isso tem “um efeito devastador para este povo e para a floresta".


Atualmente, Hanna integra a Rede Pró-Yanomami e Ye´kwana, um coletivo que une pesquisadores em luta pelos direitos territoriais, culturais e políticos desse povo. Parte da renda da venda do livro será revertida para a Hutucara Associação Yanomami.


A entrevista abaixo é um passeio pelos sonhos, mitos e cultura do povo Yanomami.


O POVO - O que significou o seu encontro com o povo Yanomami?


Hanna Limulja - Em 2007, eu tinha terminado o mestrado e queria muito trabalhar, não queria continuar na academia. Surgiu em 2008 um edital para trabalhar com os Yanomami, com educação em escola indígena, o que me deixou super animada. Participei do processo seletivo e fui selecionada para na CCPY (Comissão Pró-Yanomami), uma ONG que trabalha há anos pelos direitos dos Yanomami. Foi uma mudança radical, porque eu estava às vésperas de prestar o doutorado, mas decidi ir para Boa Vista. Tinha o objetivo de fazer o trabalho durante alguns anos e acabei resolvendo voltar para a academia, porque surgiu o tema do sonho durante esse trabalho e eu achei que seria interessante por ser uma maneira de voltar a morar com eles por um tempo significativo pesquisando um tema que eu queria.


OP - Num vídeo do qual você participou, o xamã Yanomami, Pedrinho, contou um sonho de destruição da floresta e dos perigos para o povo Yanomami. Como você percebe, nos últimos anos, o sofrimento do povo Yanomami, principalmente devido ao garimpo no território indígena?


Hanna Limulja - A situação piorou muito nos últimos anos graças à própria postura do governo, porque a terra Yanomami sempre foi alvo do Bolsonaro ainda quando ele era deputado.


A terra Yanomami foi homologada em 1992, há 30 anos. A gente tem alguns momentos trágicos como, por exemplo, na década de 70 durante a construção da Perimetral Norte – rodovia que cortava todo o território Yanomami - teve um impacto demográfico e epidemiológico muito grande. Depois, quando se descobriu que terra Yanomami era rica em minérios, houve no final da década 1980 e início de 1990 um boom do garimpo devido a uma alta no preço do ouro, e você tinha 40 mil garimpeiros na terra Yanomami, 80 pistas clandestinas de pouso.


Então, acontece a homologação da terra em 1992, depois de muita pressão internacional. Era o governo do Fernando Collor, estava acontecendo a Eco 92, teve muita pressão internacional. Collor era muito preocupado com a imagem do Brasil no Exterior e acabou homologando o decreto de demarcação da terra e a expulsão dos garimpeiros. Em 1993 houve o genocídio de Haximu, que eu cito na apresentação do meu livro, que é o primeiro massacre reconhecido pela justiça brasileira. Ou seja, os garimpeiros nunca saíram da terra Yanomami, mas com a demarcação e presença da Polícia Federal, houve uma redução do impacto, porque era uma coisa escandalosa.


"A situação é o pior momento desde a homologação da terra Yanomami. Este é pior momento que o povo yanomami se encontra, porque não existe fiscalização."Hanna, ao falar sobre a atual situação dos Yanomami

O POVO - O que mudou nos últimos anos?


Hanna Limulja - Nos últimos anos, sobretudo depois que Bolsonaro assume (a presidência), e inclusive, ele tem isso como pauta – na campanha dele para presidente, ele cita nominalmente a terra Yanomami como uma das terras que não deveriam ser (demarcadas) por causa da ideia de que “é muita terra para pouco índio e que na verdade, os índios também querem fazer mineração". O fato é que durante esses quatro anos de governo, ele se colocou abertamente a favor da mineração em terras indígenas, fragilizou muito as agências de fiscalização, sem falar de todo lobby da bancada ruralista no Congresso.


Tudo isso piorou muito uma situação que não era completamente boa, mas não estava tão escancarada. Ele deu uma abertura para que houvesse um aumento significativo do garimpo na terra Yanomami. Eu menciono na apresentação do meu livro o relatório que foi lançado pela Hutukara (Associação Yanomami) em abril, “Yanomami sob ataque: Garimpo na terra indígena yanomami e propostas para combatê-lo”, que fala sobre a expansão do garimpo na terra Yanomami e da devastação da floresta. A situação é o pior momento desde a homologação das terras Yanomami. Este é pior momento que o povo Yanomami se encontra.


Durante a pandemia, houve um momento que ninguém entrou em área (indígena), mas o garimpo ilegal não só continuou aumentou consideravalmente. Agora, eles têm uma estrutura logística e tecnológica que não existia nas décadas de 1980 e 1990, todo um esquema de comunicação e internet e estruturas que permitem que verdadeiras cidades existam no meio da floresta. Isso, obviamente, tem um impacto devastador para as comunidades.


OP - Na abertura do seu livro, você conta que sonhou com o povo Yanomami. Como você faz a conexão entre seus sonhos e o trabalho que você realizou durante o tempo que viveu entre os Yanomami do Pya ú?


Hanna Limulja - Eu sonhava muito quando estava na floresta. Na época, eu conversava com o Davi (o xamã Yanomami Davi Kopenawa, coautor de “A queda do Céu”) sobre meus sonhos, e ele tinha sempre uma explicação e foi o que me levou a pensar que tinha algo interessante sobre os sonhos yanomami que valia a pena conhecer mais a fundo. Eu falo no livro que tem algumas partes, algumas ideias que foram sonhadas. Em antropologia, durante o trabalho de campo, a gente normalmente faz um diário de campo, escreve todos os dias, para depois retomar e escrever a etnografia e a gente, em tese, faz isso no mesmo dia, mas eu procurava escrever no dia seguinte, ou seja, após ter dormido, porque eu pensava que algumas coisas eu poderia sonhar, e fazer alguma conexão com o que estava vivendo com os Yanomami, eu usava isso como se fosse uma metodologia mesmo. Durante o processo de escrita da tese, eu estava morando em São Paulo, um contexto muito diferente do que eu havia vivido na floresta junto com os Yanomami.


Quando sai da floresta, as imagens ainda estão muito fortes. Tanto a questão do contexto que tem a ver com a construção não apenas do sonho, mas no sono. Os sons da comunidade (indígena) são outros. Primeiro, você nunca está sozinha. Segundo, você tem os sons dos animais da floresta. A primeira vez que voltei para a cidade depois de um tempo na maloca, eu acordava à noite sem saber onde estava. Quando saí do campo, comecei o processo de escrever, mas é muito difícil, porque você sai do campo, mas o campo não sai de você e eu sonhava com algumas coisas da floresta.


OP - No teu livro você fala que os interlocutores indígenas conhecem muito mais os pesquisadores do que o contrário e que as melhores respostas são as que não são feitas. Como você percebeu esse comportamento?


Hanna Limulja - Na minha trajetória em 2010 ainda na época em que era assessora das escolas yanomami, eu percorria várias regiões diferentes. E cada região é composta de casas coletivas que a gente chama de malocas, onde moram grupos de parentelas, ligados por relações de afinidade e consanguinidade. O Pya ú era um lugar especial porque ninguém ia lá, ficava a quatro horas de caminhada. Como eu tinha de ir à escola, decidi ir até a comunidade. Foi muito difícil. O barco não chegava na margem por causa da vegetação, tinha chovido muito, precisava entrar no rio (Toototopi) e, depois, caminhar por quatro horas.


De uma caminhada de horas, a gente chegou no Pya ú e, de repente, do nada, eu vi uma casa gigantesca no meio da floresta. Eu guardo essa cena porque foi incrível. Ali moravam 150 pessoas. Depois de passar uns dias lá, eu pensei: “se um dia eu voltar para pesquisar, volto para cá”. Quando eu voltei, foi para ficar mais tempo, aprender bem a língua. Mas eles sabem exatamente qual é o repertório.


Quando eu cheguei era da CPPY thëri, tinha os Funai thëri, o governo thëri, os missionários thëri (thëri significa povo). Eles estão muito dispostos a ensinar qualquer coisa que a gente queira aprender, mas eles fazem isso na medida em eles vão vendo até onde a gente consegue alcançar. Esse material que eu tinha – 100 sonhos em 500 páginas – traduzi com a ajuda de um jovem que tinha pouca noção do português, a gente transcreveu em yanomae e eu só traduzi uma parte do material.


OP - No livro você também explora a forma como os Yanomami lidam com os mitos e os sonhos e como os sonhos modificam os mitos. Como se dá essa relação entre mitos e sonhos para eles ao longo do tempo e como eles preservam a cultura que é transmitida?


Hanna Limulja - Uma das teses principais do livro é que os mitos para os Yanomami são sonhados e chego a essa conclusão porque quando ia perguntar pelos sonhos, eles me falavam sobre os mitos e quando eu perguntava sobre os mitos, eles me falavam de sonhos. Então, eu fui procurar entender qual a relação entre uma coisa e outra. Até que me dei conta de que eles veem os mitos, os xamãs, por exemplo, quando inalam o yãkoama, eles veem esses mitos acontecendo e sonham com eles à noite. Cada (xamã) constrói seu repertório.


O estudo dos mitos é clássico na antropologia, mas nunca se levantou a relação com os sonhos e com o tempo a gente percebe que os sonhos estão presentes em várias esferas (da vida yanomami). Nunca se deu destaque para isso. Então, começo a perceber que no contexto e na perspectiva Yanomami, o sonho é fundamental no processo não só de memorização do mito ou quando eles sonham à noite, porque eles vivenciam e eles falam isso. Os lugares aonde eles vão, as pessoas que não são xamãs conhecem por causa da experiência dos xamãs. Por exemplo, o mito de origem da noite, que eu coloco no livro, que foi a partir daí que eles começaram a sonhar, o (xamã) Luigi quem me conta esse mito, eu tenho várias versões dele contando o mesmo mito e tem variações, porque o mito nunca é o mesmo.


Muitas pessoas que não conhecem os indígenas imagina um velho sentado contando histórias, mas não é assim, pelo menos não no caso Yanomami. Eles fazem os heramou, que são discursos feitos no meio da casa. Mas ali, eles não contam mitos. Eles vão para resolver questões práticas do tipo: “o mato está alto, vamos cortar; as crianças estão chorando e é um choro de fome de carne, amanhã, é preciso caçar”. São discursos de mobilização da comunidade ou socialização de notícias, mas o mito, eles sabem por meio dos xamãs sonhando essas histórias. É por isso que por meio de um sonho meu eu consigo chegar num mito deles que é o mito do retorno dos mortos. Quando eu contei esse sonho para a Fátima, o marido dela, Ari, disse “a gente tem esse tipo de sonho, já ouvimos essa história”, e ele me conta o mito.

"E na perspectiva Yanomami, eles sonham com os outros e, por isso, é possível perceber que tudo tem uma relação desde a morte de uma pessoa até uma guerra. Essa relação com o mundo não diz respeito a minha pessoa, mas diz respeito ao outro, a outros e esses outros são múltiplos."Hanna ao falar sobre os sonhos numa perspectiva Yanomami

OP - A relação do sonho com o outro é algo muito importante na narrativa do seu livro, que aliás, deu origem ao nome da obra, “O desejo dos outros”.


Hanna Limulja - Essa é a outra tese do livro, que é um contraponto a pensar o sonho a partir de outra perspectiva que não a do ego. O sonho como um desejo oculto do eu. A saudade, por exemplo, é um tema interessante sob vários aspectos, um deles porque é muito bonito e é uma coisa que comove todo mundo, mas para os Yanomami sentir saudade é uma coisa que dói e até mata se você não resolve, como sentir saudade de uma pessoa que morreu, por exemplo. Eles me falavam que quando a gente sonha com alguém é porque esse alguém estava pensando na gente. Percebi que todos os sonhos eram a partir dessa perspectiva. Era um outro que desejava tanto (que aquilo acontecesse) que fazia com que a pessoa acabasse sonhando. E há várias passagens do Davi no (livro) “A Queda do Céu”, falando exatamente disso, de que quando ele era criança e jovem, ele sonhava muito com os xapiri pë, que são os espíritos auxiliares, então, eram os espírito que o desejavam, para que ele se tornasse xamã.


Na época, ele não sabia o que isso significava, mas depois ele entendeu. Se você encontra uma cobra no caminho da floresta, isso é desejo de um outro, de um xamã inimigo, por exemplo. E por mais que os outros desejem isso, não é um destino fadado. Mas é justamente a capacidade de poderem resistir e dizer não. Por isso, o Davi fala que é preciso sonhar a floresta, por quê? Porque a gente só sonha consigo mesmo. E na perspectiva Yanomami, eles sonham com os outros e, por isso, é possível perceber que tudo tem uma relação desde a morte de uma pessoa até uma guerra. Essa relação com o mundo não diz respeito a minha pessoa, mas diz respeito ao outro, a outros e esses outros são múltiplos.


OP - Você fala no seu livro que para os Yanomami a vida é prosa, a morte é poesia. Você pode explicar isso?


Hanna Limulja - Quando uma pessoa (Yanomami) morre, você precisa destruir tudo dela, inclusive o nome da pessoa, tudo o que remete à pessoa precisa ser destruído, porque precisa se criar uma ruptura dos vivos com os mortos. A primeira coisa que eles evitam é dar nomes repetidos numa mesma comunidade, porque se uma delas morrer, a que fica precisa trocar o nome, porque remete diretamente ao morto. E faz o mesmo com os pertences do morto. Quando um “pata” morre e ele foi generoso, ele não terá muitas coisas, porque ele doou as coisas dele quando as pessoas pediam, quando precisavam. Então destrói tudo. Eles nunca falam diretamente da morte. Se vão falar de uma morte real, eles usam expressões que são super poéticas como: “O cesto está colocado no chão” para falar de uma mulher que morre. “A ponta da flecha caiu” para dizer que um homem morreu” ou dizem “ela não está” ou “ele se perdeu”. O sonho também é bonito nesse sentido, porque é único lugar que os vivos podem encontrar seus mortos, e embora seja preciso negar esse encontro, é pelo sonho que é possível reviver a saudade que se sente pelos que se foram.

OP - É muito interessante que o lugar onde ficam os mortos é sempre dia e eles estão constantemente em festa, com muita fartura. O reahu é a festa que, segundo seu livro, espelha esse lugar, como se fosse um dia mitológico. Como é a experiência de participar dessa festa?


Hanna Limulja - O hutu mosi (lugar onde vivem os mortos) é essa projeção espetacular do mundo real. Luigi que era o xamã com quem eu conversava muito, dizia que o destino póstumo não é temido. O problema nunca é a morte, mas o mortos. A vida que os mortos vivem no hutu mosi é muito melhor do que a vida que os Yanamami vivem aqui na floresta. O hutu mosi é essa casa coletiva, ontem tem fartura, onde se está sempre em festa. A festa que eles fazem para os mortos o reahu é um pouco o simulacro da festa que acontece no céu. Aqui tem sofrimento, os Yanomami sofrem, aqui não tem tanta fartura, na festa dos vivos existe uma fartura que é relativa, tem bastante comida, mas em algum momento a comida acaba, vai gente demais que não foi convidada etc. As pessoas se dão conta que tem uma hora que essa festa precisa terminar, porque a vida precisa continuar. Como você falou é um dia sem fim, como se fosse esse momento mítico quando a noite não existia.


O POVO - Como é participar do reahu?


Hanna Limulja - As festas eram uns momentos de muita excitação e a gente entra no ritmo. Eu descrevo no livro o momento que a gente está recebendo a festa no reahu e a gente está esperando convidados e aí a caçada coletiva, a preparação da canoa, todo um trabalho. Mas tem os dois lados: quando a comunidade está para receber e tem a composição mais confortável de ser visitante e aí todo o trabalho social de preparar alimentos e a canoa (secar o trono onde se colocar o mingau que é oferecido aos convidados) é do outro. Na perspectiva de quando você é convidado, começa no momento que você sai de casa. Fui a uma comunidade que ficava a um dia de caminhada. A gente dorme no meio da floresta, caça para comer no acampamento e quando chega perto da casa (que vai receber), acampa de novo porque vêm os anfitriões caçadores levar comida pra gente, passa noite e chega no dia seguinte cantando e eles recebem a gente. É cansativo, eu achava que o cansaço era só meu, mas percebi que depois de dez dias ninguém aguenta mais. Mas o fim da festa é o ápice, quando se vai chorar as cinzas. No carnaval, no fim da festa já passou o ápice.


O POVO - Com o que você sonha atualmente?

Hanna Limulja - Eu sonho com eles, eles me falavam que quando eu sonhasse com eles, eu iria saber que eles estavam pensando em mim.


"Meu livro fala dos sonhos yanomami e da necessidade, mais do que nunca de seguir resistindo. Os Yanomami estão vivos, ainda que este governo não queira, eles estão vivos e vão continuar."Hanna ao falar sobre o livro que está lançando.


OP - Você fala que gostaria que teu livro ajudasse outras pessoas a sonhar também. Quais sonhos gostariam que seus leitores tivessem?


Hanna Limulja - Um pouco essa perspectiva de pensar: “Tá bom, né? de sonhar só com os desejos da gente!”. O mundo tem outras formas de pensar e os sonhos para os Yanomami são uma outra maneira de estar e compreender o mundo e tudo que há nele. Meu livro não fala sobre o garimpo. Ele fala dos sonhos yanomami e da necessidade, mais do que nunca, de seguir resistindo. Os Yanomami estão vivos, ainda que este governo não queira, eles estão vivos. Eu queria passar uma mensagem de que o livro possa trazer outros sonhos no sentido de que as pessoas não só vejam a beleza do livro numa contemplação estética ou romântica, mas que saibam que essas pessoas estão morrendo, e que é urgente sonhar com outras formas de existência, porque nossos sonhos ou a maneira como a gente lida com o mundo está causando a destruição dos Yanomami. Eu acho que este é o maior paradoxo. O que para nossa cultura representa o símbolo do amor, que é uma aliança de ouro, de casamento, é o que está matando os Yanomami. Que as pessoas consigam perceber que é preciso tomar uma atitude em relação ao que está acontecendo. É urgente. E este é um ano de eleições, a gente não pode deixar essa tragédia continuar por mais quatro anos.


O livro passa uma mensagem política. Eu penso que é possível conseguir ser resistência a partir de uma perspectiva de que o mundo é habitado por outros seres, outras pessoas e outras formas de sonhar o mundo e que a gente precisa levar isso em consideração para continuar vivendo. O sonho é importante e é um ato político. Sonhar com os outros é perceber os outros. Sonhar numa perspectiva Yanomami é pensar que ali habitam outros seres que merecem viver e que a nossa forma de viver e escolheu habitar este mundo está destruindo não só o mundo deles, mas a nós mesmos. Estamos nesse momento suicida de consumo e devastação que faz com que a gente entre num caminho sem volta. O céu está caindo e caindo na cabeça de todo mundo. Que as pessoas não só digam "eu apoio os Yanomami", é preciso fazer com que este governo não prossiga, porque ele é responsável por grande parte do que está acontecendo, ele está perpetuando uma história e legalizando a morte dos Yanomami de forma devastadora.

O POVO - O que representou para você publicar sua tese nesse momento tão dramática da vida do povo Yanomami?

Hanna Limulja - Quando eu escrevi a tese o que eu queria, na verdade, era compartilhar um pouco da beleza do que havia aprendido e vivenciado com os Yanomami. Eu queria que outras pessoas pudessem ter acesso a isso. Pensei muito na maneira em como eu escreveria sobre essa experiência. No processo de edição da tese para o formato de livro, tentei torná-lo o acessível possível para não ser algo para especialistas ou para a academia. Acho que já quebrou a barreira da academia por virar livro, porque as teses geralmente não viram livro, não para um público amplo. O fato do livro falar sobre sonhos me parece super mobilizador, porque se há algo democrático no mundo é que ainda não precisa pagar para ter, é o sonho. Quando alguém me perguntava: “o que você pesquisa? eu respondia, 'eu pesquiso sonho”. Qualquer um sonha, tem alguma coisa pra falar sobre o sonho porque todo mundo sonha, rico, pobre, preto ou branco. Eu acredito que pela via do sonho, ainda que numa perspectiva idealista, as pessoas consigam se sensibilizar com os Yanonami. É uma forma sútil, mas as pessoas passam a conhecer como eles sonham, como vivem a floresta e talvez se mobilizem e possam perceber que é preciso tomar uma atitude urgente diante da tragédia que está atingindo os Yanomami neste momento. Eu tenho essa esperança.

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