Um ano depois, programa de adoção de florestas do governo federal não recebeu nenhuma verba
Lançado para financiar a proteção de unidades de conservação ambiental, 'Adote um Parque' ainda não saiu do papel
Publicado em Terra | por André Borges
BRASÍLIA - Nenhum centavo. Esse é o resultado do programa de "doação" de florestas protegidas que o governo Jair Bolsonaro criou um ano atrás, com a proposta de fazer com que a iniciativa privada passasse a financiar a proteção de unidades de conservação ambiental em todo o País.
Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Estadão questionou o governo sobre os resultados efetivos do programa "Adote um Parque", anunciado um ano atrás pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. O resultado é que, até hoje, nada saiu do papel. Até o presente momento não há nenhum Termo de Adoção efetivamente assinado", informou o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), escalado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para responder sobre o tema.
Em setembro do ano passado, o MMA comemorava a informação de que tinha recebido 15 "manifestações de interesse" de empresas interessadas em patrocinar o programa. Em troca, elas poderiam fazer ações de publicidade sobre o projeto que ajudam a proteger. As três maiores propostas de apoio previam o repasse de cerca de R$ 5 milhões, pelo prazo de um ano, que é o tempo previsto para cada "adoção". Pelas regras do programa, foi estipulado um valor de R$ 50 anuais por hectare. No caso de surgir alguma empresa estrangeira, o valor do programa foi fixado em 10 euros anuais por hectare.
A iniciativa foi uma resposta do governo às críticas que recebia por ter esvaziado os orçamentos dos órgãos de fiscalização ambiental, além de paralisado programas de financiamento ao setor, como o Fundo Amazônia. Em fevereiro deste ano, uma cerimônia no Palácio do Planalto foi realizada pelo presidente Jair Bolsonaro, quando se falou que, numa "primeira fase", o programa beneficiaria 132 parques da Amazônia Legal, que somam uma área de 15% do território de toda a Amazônia. Projetou-se um potencial de atrair R$ 3,2 bilhões em doações por ano.
Na ocasião, foi anunciado que a rede de supermercados Carrefour havia sido a primeira a adotar uma unidade, a Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Rondônia, prevista para receber R$ 3,7 milhões de investimento. Em março e abril, outras adoções foram anunciadas por empresas como a cervejaria Heineken, além da Genial Investimentos, Coopecredi Guariba, Geoflorestas e Cooperativa Agroindustrial Coplana. Nada foi efetivado até hoje.
"Tendo em vista que até o presente momento não houve assinatura de Termo de Adoção, não houve repasse efetivo", destacou o ICMBio, órgão do MMA responsável pela gestão das 334 unidades de conservação federais do País.
Segundo o instituto, estão em "procedimento de adoção" oito unidades e o "plano de trabalho" de cada projeto "está sendo construído em conjunto entre este ICMBio, a empresa (doadora) e comunidade tradicional" que vive na área, quanto esta existe. "Assim sendo, tão logo seja concluída a construção do plano de trabalho, os termos serão assinados, não tendo como precisar a quantidade no corrente ano."
Por meio de nota, o Carrefour declarou que "está comprometido com a adoção do parque, que o projeto continua em andamento, incluindo visita às comunidades tradicionais locais e análise das necessidades da reserva".
A Heineken afirmou que a adesão ao programa foi motivada pelo "compromisso com o meio ambiente e com a redução dos impactos das nossas atividades, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento sustentável do Brasil". A adoção da Reserva Extrativista Quilombo do Flexal, no Maranhão, segundo a empresa, foi assinada no mês de março e protocolada em abril. "Neste momento, estamos elaborando o plano de ação junto às partes envolvidas e a comunidade local para garantir que todos os bens e serviços sejam da vontade e para o benefício da unidade de conservação e da comunidade que lá reside."
A Geoflorestas informou que "os trabalhos estão em andamento de acordo com as fases e etapas do programa, inclusive, com visita já realizada na unidade para, junto com a comunidade e o MMA e ICMBio e respeitando as particularidades locais e o plano de manejo, construir o plano de trabalho". As demais empresas citadas não se posicionaram sobre o assunto.
ICMBio nega atraso no programa
O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) negou que haja atraso na doação de seus parques. Questionado pela reportagem sobre as informações que havia encaminhado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o órgão do Ministério do Meio Ambiente afirmou que suas unidades foram efetivamente fornecidas somente a partir do decreto que criou o programa, em fevereiro.
"A partir da manifestação de interesse de diversas empresas em 'adotar' uma unidade do Programa Adote um Parque, foram iniciados os processos de formalização, que resultarão nos efetivos termos de adoção", afirmou o ICMBio.
Segundo o instituto, nas unidades onde vivem comunidades tradicionais, como ribeirinhos e pequenos agricultores, por exemplo, há a necessidade legal e institucional de que estas sejam informadas e opinem sobre o interesse ou não de serem incluídas no programa.
"Não há atraso nesses processos, mas, sim, a observância das ações para que cada etapa seja realizada com a qualidade necessária. Os termos da adoção serão efetivamente assinados assim que todas forem vencidas", declarou o órgão. "O ICMBio acredita que esse é o melhor caminho para que o programa Adote um Parque gere parcerias positivas que efetivamente contribuam para a conservação das unidades e o respeito às comunidades tradicionais ali existentes."
O avanço do desmatamento e dos incêndios sobre as florestas protegidas não é resultado, apenas, da falta de recursos. Na realidade, Ibama e ICMBio mal têm gastado os orçamentos federais que recebem para executar seus trabalhos. Até o fim de setembro, o Ibama contava com R$ 59,4 milhões para "prevenção e controle de incêndio", mas só R$ 14,9 milhões tinham sido sacados. No ICMBio, a cifra disponível contra as queimadas chegava a R$ 74,2 milhões, mas menos da metade - R$ 35 milhões - tinha sido usada.
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