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Discussão sobre Plano de Gestão Territorial marca retomada da governança do Povo Yanomami no AM



Entre os dias 28 de setembro e 05 de outubro, a Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya) promoveu, junto com a Associação Kurikama, o 1º Seminário de Retomada do Plano de Gestão Territorial Ambiental - PGTA Yanomami no Amazonas. A iniciativa representa o recomeço do trabalho iniciado em 2015, de construção e implementação do documento que é o principal instrumento da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas e que ampara legalmente o direito dos povos indígenas sobre a governança de seus territórios.


O processo de quatro anos de construção é composto pela realização de cinco grandes oficinas que concentram a colaboração das sete associações Yanomami e Ye’kwana, lideranças indígenas tradicionais, organizações governamentais e não governamentais parceiras. Para tanto, as associações e lideranças funcionam como pontos-focais de articulação entre as demandas de suas regiões e os consensos atingidos nas oficinas.


Dez oficinas regionais do PGTA foram previstas para levantamento de propostas e encaminhamentos específicos de cada localidade. Foram realizadas uma oficina inaugural em 2015 e quatro oficinas de trabalho, sendo duas em 2016 e duas em 2017. Com a ascensão do Governo Bolsonaro em 2018 e a pandemia de Covid-19, o trabalho de campo foi prejudicado por conta das ameaças aos direitos garantidos via Constituição Federal, com a negligência no suporte emergencial e com a invasão garimpeira que resultou na tragédia humanitária que ganhou projeção internacional no final de 2022 e início de 2023.


Ao longo desse período, a Secoya promoveu pesquisa e levantamento de dados sobre o Território, sistematização das experiências de gestão territorial, produção e distribuição de material informativo e formação de rede para troca e circulação de informações, inclusive, por meio de intercâmbios entre representantes Yanomami e organizações e apoiadores internacionais.


Ao todo, representantes de 33 xapono (aldeias) de três regiões participaram da atividade por meio das respectivas associações: Kurikama, do rio Maraiuá (Santa Isabel do Rio Negro); Parawami, do rio Demeni (Barcelos); Associação Yanomâmi do Rio Cauburís e Afluentes - AYRCA e Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma- AMYK (São Gabriel da Cachoeira).


A realização do Semintário somente foi possível por meio do apoio da Embaixada da Suíça, da ONG espanhola Manos Unidas, e do Movimento de Cooperação Internacional (MCI). A FUNAI concedeu o apoio de 70 cestas básicas e combustível, além do transporte aéreo das delegações das regiões de fora do rio Maraiuá.


A antropóloga Nelly B. Duarte Dollis (Varin Mema), do povo Marubo e o vice coordenador da região do baixo Rio Negro da Coordenadoria das Associacoes Indigenas do Medio e Baixo Rio Negro participaram do evento como representantes da Caimbrn e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). Silvio Cavuscens e Criscyanne Andrade de Oliveira, coordenador e assistente do Programa de apoio ao Processo Organizativo Yanomami da Secoya foram responsáveis pelo apoio no registro do Seminário e facilitação das oficinas.


Os xapono participantes foram: Bichu Açu, Apuí, Curuá, Taracuá, Jutaí, Serrinho, Balaio, Komixiwë, Pohoroa, Ixima, Pukima Beira, Raita Baixo. Raita Centro, Tomoropiwei Pukima Cachoeira, Ayari, Lajinha, Bicho-açu, Nova Esperança, Manacapiwei, Kona Cachoeira, Kona Centro, Xamakorona, Xihobi, Novo Demeni, Komixipiwei, Ajuricaba, Nova Canaã, Kawani, Maxakapiu, Xerepiwei e Maturacá.



Importância


Foram discutidos e trabalhados os conceitos de autonomia, governança e protagonismo do Povo Yanomami. Carlito Iximawteri Yanomami, liderança antiga dos Yanomami, manifestou a importância de os Yanomami se apropriarem do assunto por conta das ameaças já vivenciadas em território.


“É importante entender o que são as políticas governamentais? O que é mais importante que temos no nosso território Yanomami. Vocês jovens não entendem o que é PGTA. A minha preocupação com os napë (não Yanomami – branco) é muito grande. E com nossos filhos Yanomami também. Alguns napë vêm em nosso território roubar nossas riquezas. Antigamente, nós Yanomami e nosso ancestrais se alimentavam bem com nossas riquezas e comida viva, da terra, do povo”, afirmou Carlito Yanomami, morador do xapono Ixima, no rio Maraiuá.

Em sua fala, Samuel Kohito, do xapono Curuá, exemplificou a necessidade de ter um plano de governança: “Precisamos registrar que Yanomami de Roraima fez uma apresentação sobre riquezas do nosso território no mundo dos napë, com os Macuxi, que foi parar Brasília. Ele não consultou o povo Yanomami nem as associações. As lideranças ficaram com raiva. Alguma coisa precisa ser feita, ninguém sabia: só souberam quando ele já estava em Brasília. Não podemos deixar isso acontecer em nossa terra, Amazonas”.


“A culpa é dos napë, dos homens brancos. Mas também a culpa é do Yanomami que não defende. Precisamos conhecer a Lei Yanomami e obedecer às lideranças, aos perioma, aos ancestrais. Algumas vezes os jovens não obedecem”, afirmou Gerôncio Yanomami, do rio Ayari, no alto rio Negro.


Todo o seminário é feito com a ajuda de tradutores escolhidos pelos próprios Yanomami, que se revezam ao longo da programação. Francisco Xavier, um dos tradutores, afirmou que este é um trabalho essencial para o resultado do encontro, uma vez que “para explicar bem as ideias e temas abordados” é preciso escolher bem as palavras, uma vez que muitas expressões não existem na língua Yanomami. “Tem que procurar outras que permitem dar a ideia certa do que se está falando, para todos poderem entender”.


Sobre o PNGATI


O PGTA é um instrumento previsto dentro da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), criada em 05 de junho de 2012, no Dia Mundial do Meio Ambiente. No Brasil, essa discussão teve início no ano de 2008, com a criação de um Grupo Interministerial, incluindo as ideias de conservação do meio ambiente, do uso sustentável das terras e território indígenas, integridade do patrimônio indígena, e a melhoria da qualidade de vida, condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações.


Em julho, o Governo Federal promoveu a reinstalação do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (CG-PNGATI). A última reunião havia sido realizada em dezembro de 2018. Por conta dessa paralisação, 50 organizações indígenas e indigenistas se reuniram em Brasília, em 2022, para avaliar o que poderia ser feito. Desse encontro, foi decidido que: a necessidade de retomada do cumprimento do dever constitucional do Estado brasileiro com o reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas era urgente bem como a implementação da PNGATI.


“O PNGATI é uma política pública definida com o objetivo de melhorar a vida dos povos indígenas. Nessa perspectiva, é fundamental os povos indígenas consolidarem os saberes, conhecer o território, lembrar dos costumes, histórias, práticas e tudo que faz parte da riqueza do mundo Yanomami. Tudo isso para viver bem com e na Urihi (floresta), tudo isso que o povo precisa pra viver bem”, afirmou Silvio Cavuscens, coordenador da Secoya.


“Os tempos mudaram e o povo Yanomami sofre pressões de todos os lados. Isto obriga a se preocupar não apenas com a realidade atual, hoje em dia, mas também com o futuro do povo e sua descendência, para garantir qualidade de vida do jeito que gostariam que possa acontecer. É aí que o PGTA poder contribuir para melhorar a vida nos xapono”, completou.


O PNGATI abrange sete eixos temáticos: Proteção territorial e dos recursos naturais; Governança e participação indígena; Áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas; Prevenção e recuperação de danos ambientais; Uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas; Propriedade intelectual e patrimônio genético; e Capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental.


O PGTA tem como objetivo ajudar a criar consenso para unir e ter uma só força Yanomami, a partir do mecanismo de consensos entre as organizações indígenas e lideranças sobre as diretrizes para o bem-viver; e a garantia a adequação e articulação das políticas públicas que incidem no território Yanomami.


Propostas


A dinâmica do Seminário de Retomada seguiu a divisão por grupos temáticos a fim discutir e elaborar propostas para cada um deles. Foram ainda discutidos os critérios para a formação dos grupos, optando por garantir a participação de representantes de todas as regiões em todos os grupos, ampliando, assim, a possibilidade de intercâmbio e enriquecimento da visão que cada um tem da realidade global. Confira:

Grupo 1 - Gestão territorial: Impedir os garimpeiros na região Cauaburis; reativar os postos de vigilância dentro do território (Demeni, Aracá, Padauiri, Rio Preto, Marauiá, Cauaburis); impedir a ameaças dos invasores (madeireiros, pescadores e piaçabeiros);


Grupo 2 - Governança: Fortalecer a governança das lideranças yanomami para novas gerações; Conhecer a governança das lideranças, fazendo com que os jovens valorizem seus líderes; articulação das comunidades de Roraima e Amazonas, a fim de estabelecer a governança interna yanomami em cada seus territórios; respeitar a governança ou que cada liderança pedem a valorização territorial; propor ideias para os jovens sobre como respeitar ou valorizar bem suas próprias comunidades;


Grupo 3 - Geração de renda: estímulo ao plantio de banana, milho, taioba, batata, mamão, pupunha, açaí, tabaco, farinha voltado para alimentação e comercialização, além do apoio a projetos comunitários de Cacau e castanha no Demeni, incluindo capacitações. Em outra vertente, o grupo apresentou a proposta de fabricação e comercialização de artesanato.


Grupo 4 - Relação com mundo dos napë: como estratégia para reduzir as interferências e impactos do mundo branco, foi discutido o combate ao consumo das bebidas alcoólicas e drogas, além de organizar as idas para a cidade para recebimento dos benefícios, utilização do dinheiro para o bem coletivo conforme as necessidades dos xapono. O fortalecimento da cultura e dos saberes yanomami também foi mencionado.


Grupo 5 - Educação e saúde: Para a Educação foram listadas a importância de do aprimoramento de políticas de educação diferenciada e de controle social, direito ao magistério indígena, à licenciatura intercultural, com cursos de graduação específicos em cada área, melhorias das infraestruturas e condições letivas, produção de material de didático em língua yanomami, merenda regionalizada, concurso público diferenciado para contratação de professores; processo seletivo simplificado diferenciado (sem certificado e laudo médico) e implantação de uma Matriz educacional Yanomami diferenciada, específica e intercultural. Para a saúde foram listadas a autonomia de decisão e gestão participativa no atendimento da saúde; a valorização dos recura (pajés), infraestrutura de assistência adequada ao atendimento de saúde nas aldeias para diminuição das remoções, capacitação dos agentes de saúde indígena yanomami, com produção da cartilha orientativa. Curso de formação técnica de enfermagem para indígenas, entre outros.

Grupo 6 - Valorização Cultural: Neste quesito estão previstos desde a valorização da alimentação e das tradições yanomami de celebração yanomami como reahu, wayõmou yipemou hekuramou, himou, hamamou, taamayou yarimou, kawaãmou e yaumou, passando pela realização de caminhos tradicionais dentro da mata, valorização da cremação e da origem dos pajés, incentivando o jovem na prática dos movimentos tradicionais, até a aliança com as outras regiões.

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