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Governo paralisa demarcação de terras indígenas, e MPF tem recorde de ações


Por: Carlos Madeiro, colunista UOL


Crédito: Divulgação/ISA



O governo federal tem sido alvo de uma enxurrada de ações civis públicas do MPF (Ministério Público Federal) para que dê andamento a processos de demarcação de terras indígenas e proteção a povos isolados pelo país.


Em 2021, as Procuradorias Regionais da República entraram com 24 ações na Justiça Federal contra a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a União, segundo dados obtidos pela coluna junto com a 6ª Câmara do MPF, especializada para populações indígenas e comunidades tradicionais. No ano anterior foram apenas cinco —uma alta anual de 380%.


A ideia de parar os processos de demarcação não é uma surpresa, visto que foi uma das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro.


A coluna procurou a Funai na quinta-feira da semana passada e ontem para que comentasse o número de ações civis e que providências têm adotado para cumprir a Constituição e seguir nos processos de demarcação, mas o órgão não respondeu.


Em dois anos, duas ações


Em dois anos, diz o pesquisador e antropólogo Tiago Moreira, do ISA (Instituto Socioambiental), foram realizados apenas dois procedimentos pela Funai nesse sentido: um GT (Grupo de Trabalho) para identificação da terra indígena Piripkura, em Mato Grosso, no ano passado e outro GT para estudos da área reivindicada pela etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe na Fazenda Conjunto São Francisco, no município de Ribeirão do Largo, na Bahia. Ambas as iniciativas ocorreram por força de decisões judiciais.


Desde 2017 os procedimentos administrativos estão paralisados e não há andamento voluntário de nenhum processo na Funai, segundo Antônio Eduardo de de Oliveira, secretário executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).


"Isso tem colocado os povos em um cenário de sistemático ataque dos não indígenas, que são contra o direito deles. E a consequência disso são as invasões desses territórios, que colocam a vida deles em risco", diz Oliveira.


A demarcação de terras indígenas passa por etapas, e o processo passa por seis diferentes estágios:


Em estudo: Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena.


Delimitadas: Áreas que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado.


Declaradas: Áreas que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e estão autorizadas a serem demarcadas fisicamente.


Homologadas: Áreas que possuem os seus limites definidos, materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por decreto Presidencial.


Regularizadas: Terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União.


Interditadas: Áreas interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de indígenas isolados.


Situação das TIs no Brasil:


Delimitadas: 47


Declaradas: 72


Homologadas: 8


Regularizadas: 441


Em identificação: 119


Interditadas: 6


Fonte: Funai


“É uma situação bastante perigosa e crítica devido à falta de política que favoreça o diálogo ou ações. Isso criou situações dramáticas, como a dos ianomami. A gente espera que o governo restabeleça o diálogo com povos indígenas”. - Antônio Eduardo de de Oliveira, secretário executivo do Cimi.


Busca de apoio em órgãos internacionais


Na falta de diálogo, para tentar denunciar a situação, ele conta que as entidades indigenistas têm usado muitas vezes órgãos internacionais para falar sobre os ataques. "Toda oportunidade que temos tido, temos feito essa reivindicação. Também estamos com a mobilização dos povos indígenas aqui e já fizemos quatro acampamentos em Brasília, e tem sido o objetivo principal", conta.


No último dia 28, o Cimi entregou um documento intitulado "plano de extermínio de povos indígenas livres ou isolados", à 21ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas.


O documento revela que o desmatamento, incêndios e invasões de terras indígenas e unidades de conservação aumentaram "de forma assustadora e impune na Amazônia", citando que a maioria é incentivada "pela ação e omissão do Governo Federal”.


"Apelamos a todos que unam forças e exijam que o Estado brasileiro proteja esses territórios, com a expressa proibição de toda e qualquer atividade econômica e/ou comercial nesses territórios, bem como a regularização e proteção das terras habitadas por indígenas isolados e seus bens naturais", diz o texto lido por Gilderlan Rodrigues, da equipe de apoio a povos livres do Cimi na ONU.


No debate sobre o Brasil, o procurador Regional da República Ubiratan Cazetta citou que o país tem enfrentado dificuldades em fazer valer a Constituição para garantir a proteção desses povos.


Ele lembra que o estado brasileiro tem obrigação, em tendo notícia de um grupo em situação de isolamento, de delimitar uma área e estabelecer mecanismos que garantam que esse grupo não seja, de qualquer forma, impactado.


“Nós tínhamos uma política boa na Funai sobre essa questão, com a premissa de que não podemos forçar o contato -- se vier esse contato, que seja voluntário deles. E isso foi destruído na atuação gestão da Funai, que não observa isso”. - Procurador Regional da República Ubiratan Cazetta.


Ele conta que para defender esses povos, com a ausência de ação da Funai, o MPF tem precisado atuar com ações civis. "Estamos com um caso no Pará, por exemplo, em que foi necessária uma ação para manutenção da interdição de uma área porque chegou a ser publicada uma normativa dizendo que na área não havia indícios de povos isolados", explica.


Segundo ele, o atual governo tem descumprido a lei de forma sistemática.


"A garantia legal [desses povos] não precisa de nenhum ato normativo, mas enfrentamos vários desafios hoje. O primeiro é o reconhecimento das autoridades de tais grupos. E depois, da necessidade de estabelecer uma rotina de estudo e um protocolo de trabalho para saber como delimitar áreas", explica.


Para o procurador, outro empecilho no avanço é que o atual Congresso é "reticente em cumprir a Constituição" no que se refere a povos indígenas tradicionais.


"Para isso, basta ver toda a relação dele com o marco temporal, por exemplo. O avanço da legislação hoje no país esbarra em uma dúvida de como o Congresso vai lidar com esse tema", diz.

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